Impacto da guerra na Ucrânia e das sanções à Rússia deve travar mas não anular o crescimento em 2022

Ministros das Finanças da UE avaliam o impacto provocado pelo conflito militar e pelas medidas punitivas na economia europeia. Até a Comissão oferecer novas soluções, serão os orçamentos nacionais a suportar os apoios para enfrentar a subida dos preços.

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Christine Lagarde (BCE), Valdis Dombrovskis, Paschal Donohoe (Eurogrupo) e Paolo Gentiloni hoje, em Bruxelas Reuters/YVES HERMAN

Ao mesmo tempo que os ministros das Finanças da União Europeia discutiam o impacto provocado pela guerra da Ucrânia na economia, na reunião do Eurogrupo, os representantes permanentes dos Estados-membros aprovavam, através de um procedimento escrito, o quarto pacote de sanções e outras medidas restritivas contra a Rússia — e, particularmente, contra mais uma dezena de oligarcas russos, entre os quais o naturalizado português Roman Abramovich, que viu o seu nome incluído lista de indivíduos com bens congelados e proibição de viagens na UE.

As novas sanções, que incluem novas restrições ao comércio e investimento, como por exemplo uma proibição da importação de ferro e aço da Rússia, continuam a manter abertos os canais para o abastecimento do mercado europeu com petróleo e gás natural russo. Os ministros das Finanças não descartam a hipótese de se avançar nesse sentido — essa é a nova “mãe de todas as sanções” —, mas não imediatamente. Nas palavras do presidente do Eurogrupo, Paschal Donohoe, no que diz respeito ao “acesso à energia”, os 27 “têm de proteger os seus próprios interesses” e assegurar-se que estão em condições de implementar e suster um eventual embargo aos hidrocarbonetos russos “durante um longo período de tempo”.

Com os preços da electricidade e dos combustíveis a bater recordes na Europa, os ministros resistem em utilizar essa arma contra a Rússia, por causa do seu efeito de ricochete nas suas próprias economias. A mensagem que repetiram à chegada para a reunião do Eurogrupo foi de que antes de se pensar em novas sanções sectoriais, é preciso perceber qual está a ser o impacto das medidas que já foram adoptadas, tanto em termos dos resultados na pressão sobre a Rússia para pôr fim à agressão contra a Ucrânia, como dos efeitos (directos e indirectos) que as medidas estão a ter na economia europeia.

“Todos compreendemos que há consequências que estão a ser sentidas pelas nossas empresas e os nossos consumidores, e estamos focados no papel que podemos desempenhar para mitigar esses efeitos negativos”, garantiu o presidente do Eurogrupo, lembrando que na cimeira informal de Versalhes, os chefes de Estado e governo encarregaram a Comissão Europeia de estudar soluções para intervir no mercado da energia ou no mercado de produtos alimentares e matérias-primas para a agro-indústria, para evitar um novo pico da inflação ou a escassez de produtos.

“Aguardamos agora que a Comissão apresente as suas propostas para ver quais são os novos passos que podem ser dados”, disse Paschal Donohoe. Até lá, sublinhou, os Estados-membros só têm uma forma de responder à situação, que é “usar os seus orçamentos para oferecer algum apoio a todos aqueles que estão a experimentar uma subida abrupta do preço dos combustíveis”, apontou.

Governo não exclui “novas medidas"

O ministro das Finanças, João Leão, repetiu que a orientação que foi dada por Bruxelas passa por “garantir que, nesta fase de transição, as empresas e as famílias têm os apoios necessários para enfrentar este momento de acréscimo muito acentuado dos custos da energia”. O ministro não excluiu que o Governo venha a “implementar novas medidas para ajudar neste processo”, mas não deu mais detalhes.

De resto, o que existe é, a médio prazo, “uma orientação estratégica para a redução da dependência do gás russo, com um pacote muito importante de medidas para a diversificação das fontes de fornecimento para a África e a América, e também para o impulso às energias renováveis”, acrescentou.

De acordo com o vice-presidente executivo da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, a UE vai precisar de “um conjunto alargado de medidas mitigadoras” para lidar com as implicações económicas da guerra da Ucrânia, e especificamente a subida dos preços da energia. “Para responder à situação teremos de rever a política orçamental, as regras dos auxílios de Estado e outros aspectos”, enumerou.

Além disso, a UE poderá ter de rever as suas orientações em termos de coordenação da política orçamental e económica, e o plano para deixar cair a cláusula de escape do Pacto de Estabilidade e Crescimento no final deste ano, e repor as metas do défice e da dívida em 2023. Essa discussão ainda se vai prolongar, até porque por enquanto os ministros não dispõem de dados suficientes para perceber até que ponto vai ser preciso alterar os cálculos e rever em baixa as projecções para o crescimento da economia europeia em 2022.

Mesmo sem esses indicadores, os ministros das Finanças já antecipam um abrandamento da actividade económica e do ritmo de crescimento, que apesar da incerteza ainda segue uma trajectória positiva. “Nesta fase ainda se está a assumir que vai haver um crescimento económico significativo em 2022, mas mais baixo do que se previa há dois meses”, assinalou João Leão.

O ministro voltou a destacar Portugal como “um dos países da UE que se espera que cresça mais este ano”, e assegurou que “mesmo que a economia tivesse momentos mais difíceis, em que não houvesse um grande crescimento em cadeia”, o país “tem um impulso que vem da forte recuperação do final do ano passado que lhe permite, ainda num cenário mais adverso, admitir um crescimento significativo”.

“Ainda é cedo para estimativas, há demasiados elementos que não podemos calcular com os nossos modelos”, admitiu o comissário da Economia, Paolo Gentiloni, que chamou a atenção para o impacto directo da crise nos preços da energia e na disrupção das cadeias de abastecimento, e também para os riscos de uma crise de confiança de investidores e consumidores. Mas numa nota mais optimista, considerou que, com as medidas certas, e uma “reacção forte e unida”, a UE será capaz de “suavizar o impacto que a guerra [na Ucrânia] está a ter nas nossas economias, e que não é negligenciável, e evitar um completo descarrilamento da recuperação da crise pandémica que estava agora a começar”. “O cenário de estagflação pode ser confrontado e evitado se reagirmos juntos”, frisou.

Gentiloni confirmou que o calendário da Comissão para apresentar uma recomendação em termos da desactivação ou manutenção da cláusula de escape é o próximo mês de Maio, com a apresentação das previsões da Primavera. As propostas do executivo comunitário para a eventual alteração das regras da governação económica (na sequência da avaliação dos resultados da consulta pública para a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento) serão apresentadas antes do Verão.

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