“Wali”, o super-sniper canadiano foi para a Ucrânia: “Quero ajudá-los, é simples”

Lutou no Afeganistão com o exército e voluntariou-se para combater o Daesh ao lado dos curdos. Agora é um dos milhares de veteranos internacionais que estão a combater a Rússia, com diferentes níveis de experiência.

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Combatentes estrangeiros, vindos do Reino Unido, em Lviv, na Ucrânia REUTERS/Kai Pfaffenbach

O atirador de elite canadiano conhecido por “Wali” é um dos milhares de combatentes estrangeiros que responderam ao apelo do Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, para quem quisesse juntar-se à defesa “da Ucrânia, da Europa e do mundo”. No Canadá é conhecido como “provavelmente o melhor sniper” do mundo, e a sua viagem foi notícia em todo o lado. “Quero ajudá-los [aos ucranianos]. É tão simples quanto isto. Tenho de ajudar porque há pessoas que estão a ser bombardeadas só porque querem ser europeias e não russas”, disse à televisão canadiana CBC.

“Ficaram tão contentes por nos ver chegar. É como se ficássemos logo amigos”, contou Wali sobre a recepção que teve na Ucrânia. Está a combater juntamente com outros voluntários canadianos e britânicos. Levou drones amadores para fazer vigilância a partir do ar, e nos primeiros dias esteve a fazer cocktails molotov, contou ao jornal National Post. “Há aqui uma atmosfera heróica. Por exemplo, um agricultor esperou que os russos desembarcassem de um tanque e depois rebocou o tanque com um tractor! Imaginem!” Contou também a história dos moradores num prédio de apartamentos que prenderam soldados russos no elevador, cortando a electricidade no edifício quando os militares estavam lá dentro.

Cerca de 20 mil voluntários dos mais variados países – mas muitos deles ucranianos que viviam no estrangeiro – entraram no país nos últimos dias, em resposta ao apelo de Zelensky, com diferentes níveis de experiência de combate. Tanto assim é que o Ministério da Defesa ucraniano está a criar uma unidade de forças especiais com combatentes estrangeiros, separada da Legião de Defesa Internacional – a legião estrangeira – criada a 27 de Fevereiro, noticiou o jornal Jerusalem Post.

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Uma imagem de Wali, nos seus tempos de combate Facebook

Não foram avançados quais os critérios para seleccionar os combatentes para esta unidade especial, mas pelo que várias reportagens de media internacionais têm mostrado, a experiência em combate será decisiva. Uma reportagem da Reuters nos serviços de recrutamento de Lviv, para onde está a ser encaminhada a maioria destes voluntários estrangeiros, mostrava que muitos nunca tinham combatido.

Alguns voluntariavam-se para prestar apoio médico, por exemplo, como Michael Ferkol, que apesar de ter servido como especialista em abastecimento de batalhões de engenharia dos Estados Unidos, estava agora a estudar arqueologia em Roma. “Disse-lhes que quero fazer triagem de doentes”, disse o norte-americano de 29 anos, que não tem qualquer experiência de combate. “Mas estava lá um tipo finlandês que dizia ‘eu quero é matar russos’”, contou à Reuters.

Experiência no campo de batalha não parece faltar a Wali – este não é o seu verdadeiro nome, é uma alcunha em árabe, que quer dizer “protector”, explicou à CBC. Ganhou-a durante as suas duas comissões de serviço no Afeganistão, em Kandahar, com o 22.º Real Regimento de Infantaria Canadiano, entre 2009 e 2011. Este regimento é conhecido por ter atiradores de elite bem treinados e excelente equipamento, diz o jornal National Post.

A alcunha Wali ganhou raízes quando ele se juntou voluntariamente aos combatentes curdos que lutavam contra o Daesh na Síria e no Iraque em 2015. Participou em várias ofensivas na região de Kirkuk e quase morreu quando um veículo armadilhado explodiu a poucos metros dele, contou ao jornal do Quebeque La Presse.

Hoje continua a ser identificado apenas por Wali, de modo a proteger a sua identidade e a sua família. Para ir combater pela Ucrânia, deixou a mulher e um filho que em breve fará um ano. Vai perder o aniversário dele. “Eu sei, é horrível. Mas para mim, na minha cabeça, quando vejo imagens da destruição na Ucrânia, é o meu filho que estou a ver, em perigo e a sofrer”, explicou ao La Presse.

Wali tem, no entanto, consciência de que esta guerra será bastante diferente das do Afeganistão e do Iraque e na Síria, contra o Daesh. “É uma guerra de movimento, mais convencional, muito mecanizada, onde cada um dos campos tem um uniforme bastante identificável”, explicou ao La Presse o ex-soldado. “A doutrina militar russa implica a utilização abundante de tiros de tanque e de artilharia. Arrasam o terreno com bombas antes de fazer avançar a artilharia. É uma outra realidade. Tenho de rever os meus conhecimentos sobre a maneira de melhor abater um helicóptero ou um tanque”, reconheceu.

Mas os seus conhecimentos poderão ser valiosos para formar os soldados ucranianos na utilização do equipamento militar ocidental que está a ser enviado para o país. Segundo diz Reuters, há uma falta de especialistas que saibam utilizar mísseis antitanque Javelin e NLAW – os soldados profissionais treinam durante meses para os usar de forma eficaz.

Os Governos têm assumido atitudes diferentes face aos seus cidadãos que querem ir lutar para a Ucrânia. Se os Estados Unidos o têm desencorajado, a Dinamarca, a Alemanha ou o Canadá deixam a decisão na mão dos cidadãos.

Mas estes combatentes estrangeiros vivem numa situação frágil em termos diplomáticos. “Sei que posso tornar-me em moeda de troca se for capturado”, reconheceu Wali. O porta-voz do Ministério da Defesa russo, Igor Konashenkov, afirmou que os combatentes estrangeiros na Ucrânia não serão reconhecidos por Moscovo como combatentes legais, não serão considerados prisioneiros de guerra nem lhes serão concedidas outras protecções ao abrigo da lei humanitária internacional, sublinha o Jerusalem Post.

Isto não desanima Wali, que mantém um diário sonoro online do seu tempo na Ucrânia, que serve também como propaganda para o lado ucraniano, que também está a noticiar com bastante empenho a sua chegada. “O que eu estou a fazer é um curto-circuito da política canadiana. Sim, é verdade que os governos não gostam disto, mas sinto que há um apoio forte ao que estou a fazer, e não apenas um apoio moral”, disse ao La Presse.

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