Ao lado da Ucrânia, a Moldova teme ficar no caminho de Putin

A presença militar russa na região separatista da Transnístria — uma faixa de território entre a Moldova e a Ucrânia — deixa o Governo moldavo inquieto com os próximos passos do ataque da Rússia. Este fim-de-semana, o país recebeu a visita do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken.

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A Moldova tem sido o destino de milhares de ucranianos em fuga da guerra EPA/DUMITRU DORU

As autoridades da Moldova já estavam em estado de alerta desde o início de Fevereiro, por causa de exercícios militares russos perto da sua fronteira com a Ucrânia, quando a televisão da Bielorrússia mostrou imagens do que parecia ser um mapa dos planos de Vladimir Putin para ocupar o território ucraniano.

Nas imagens, transmitidas no início da semana passada, o Presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko — o aliado estrangeiro de Putin na invasão da Ucrânia —, apontava para um mapa militar da região, onde se viam setas a indicar possíveis ataques do Exército russo em território ucraniano. Uma dessas setas, que partia de Odessa, na Ucrânia, em direcção à região da Transnístria, a oeste do território ucraniano, causou um sobressalto na Moldova : a Transnístria, uma pequena república que nenhum país no mundo reconhece como sendo independente, e que a Moldova considera ser parte do seu território, é protegida pela Rússia desde o colapso da União Soviética e tem um dos maiores depósitos de armamento em toda a Europa de Leste.

Desde 1992, após uma curta guerra civil entre a Moldova e os separatistas, a Rússia mantém uma presença militar na Transnístria, muito contestada pela Moldova, União Europeia e Estados Unidos — cerca de um milhar de tropas para guardar o depósito de armamento, e meia centena numa operação que o Kremlin descreve como de “pacificação”, com a função declarada de prevenir o reacendimento de confrontos militares no território.

Na povoação moldava de Palanca, a apenas 50 quilómetros de Odessa, “toda a gente anda com medo”, disse um dos habitantes locais, Alexio Mateev, à agência AFP. Mateev é um dos voluntários moldavos que têm recebido e ajudado algumas das dezenas de milhares de pessoas que fugiram da Ucrânia para a Moldova desde o início da invasão russa, no dia 24 de Fevereiro — uma fuga que, só por si, é um enorme desafio para as autoridades do país.

Agora, a dúvida sobre se Putin poderá lançar novos ataques para além das fronteiras ucranianas — e o mapa exibido por Lukashenko na televisão bielorrussa — vieram pôr ainda mais pressão sobre as autoridades moldavas.

“Os riscos de segurança para a Moldova são muito sérios”, disse a Presidente moldava, Maia Sandu, na quinta-feira, ao lado do alto representante da União Europeia para a Política Externa, Josep Borrell. “Conseguimos ouvir as bombas a cair no outro lado da fronteira.”

A posição da Moldova no jogo de forças entre a Rússia de Putin e a União Europeia e a NATO, principalmente na última semana, fez do país um destino obrigatório para representantes europeus e norte-americanos. Depois de Borrell, na semana passada, este sábado foi a vez de o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, se reunir com o Governo moldavo na capital, Chisinau, depois de uma passagem pela Bélgica e pela Polónia, e antes de visitas a Letónia, Lituânia e Estónia.

No dia 25 de Fevereiro, Blinken falou com a Presidente moldava ao telefone, e garantiu-lhe “o apoio contínuo dos Estados Unidos à integridade territorial e à soberania da Moldova”, segundo o comunicado do Departamento de Estado norte-americano.

Mas as garantias norte-americanas não chegam para descansar as autoridades moldavas, que se debatem com um problema semelhante ao da Ucrânia. Com a Moldova fora da NATO e da União Europeia, os países que agora se recusam a enfrentar militarmente a Rússia teriam de explicar por que razão, no caso de um ataque contra o território moldavo, estariam dispostos a mudar radicalmente de estratégia.

E, no terreno, o avanço das tropas russas entre Mariupol, na fronteira com a Rússia, e Odessa, na fronteira com a Moldova — uma extensão de 700 quilómetros que bloquearia, na prática, o acesso ucraniano ao Mar Negro —, é visto como uma ameaça directa à Moldova.

“Tudo depende da situação no terreno. Se a Rússia ocupar a região à volta de Odessa, a Moldova ficará exposta”, disse à AFP o investigador moldavo Valeriu Pasa. “Os moldavos sabem que não têm as garantias de segurança que vêm com uma adesão à NATO.”

Tal como a situação na Transnístria preocupa a Moldova, o mesmo acontece numa outra antiga república da URSS, a Geórgia, que foi invadida pela Rússia em 2008, e onde o controlo russo das repúblicas separatistas da Ossétia do Sul e da Abkhazia levou o Governo local a apressar o seu pedido de adesão à União Europeia — um gesto acompanhado pela Moldova, na quinta-feira, no seguimento do pedido de adesão feito pelo Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, no início da semana passada.

“Hoje é um dia histórico para a Geórgia”, disse o primeiro-ministro georgiano, Irakli Garibashvili. “Assinei o pedido de adesão à União Europeia em nome do país.”

No mesmo dia, a Presidente da Moldova formalizou o pedido de adesão do seu país, dizendo que os cidadãos “estão preparados para trabalharem afincadamente por um futuro próspero e estável na União Europeia e na família dos Estados europeus”.

Mas a hipótese de uma adesão de países como a Ucrânia, a Moldova ou a Geórgia à União Europeia — ou da Ucrânia à NATO, pelo menos até à invasão russa — é hoje tão remota como era antes das últimas semanas.

E se a velha oposição de países como a Alemanha e França à entrada da Ucrânia na Aliança Atlântica não dá sinais de se alterar, uma adesão à União Europeia num futuro próximo é ainda mais difícil. Na passada terça-feira, quando o Presidente ucraniano se dirigiu ao Parlamento Europeu, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, deu a entender isso mesmo: o alargamento, disse Michel, “é um tema difícil”, sobre o qual os vários países-membros têm “opiniões diferentes”.

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