Uma cidade longe das linhas da frente é refúgio para os que fogem de Kharkiv. Mas por quanto tempo?

Dnipro é por agora um oásis livre de bombardeamentos no leste da Ucrânia, onde as únicas filas são as que são feitas à porta das lojas de armas.

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Evgeny no corredor do seu apartamento em Dnipro, com Alina, a namorada, enquanto o filho Seva abraça a prima Anya Salwan Georges/The Washington Post

As sirenes de aviso de ataque aéreo não funcionaram no bairro onde Ania morava, em Kharkiv. Por isso, as bombas russas chegaram de surpresa. Depois as explosões tornaram-se mais próximas e mais barulhentas. E não pararam.

A rapariga e os pais encolheram-se no corredor do apartamento, longe das janelas, e ali ficaram quietos. Durante quatro dias, um implacável ataque russo atingiu esta cidade do leste da Ucrânia, suspeitando-se que nos bombardeamentos tenham sido usadas bombas de fragmentação. Zonas civis foram alvejadas, entre elas o bairro de Ania. Só na segunda-feira a rapariga encontrou uma forma de sair dali.

Ania, artista de 18 anos, embalou roupas, o portátil e um bloco de desenho. Teve que deixar para trás o uquelele e os pais, que só foram retirados do local na quarta-feira. A rapariga e a namorada demoraram uma hora a encontrar um táxi, e tiveram que oferecer um suborno ao motorista para que as levasse à estação de comboios debaixo do intenso bombardeamento.

O destino de Ania era Dnipro, cidade a cerca de 200 quilómetros de Kharkiv, a sudoeste, e que ainda não sofreu qualquer bombardeamento.

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Fila à porta de uma loja de armas em Dnipro Salwan Georges/Washington Post

Os voluntários em Dnipro esperavam receber muitas centenas de pessoas oriundas de Kharkiv na manhã desta quinta-feira. Prepararam escolas, centros culturais, dormitórios vazios e um hotel abandonado para acolher os que fogem de Kharkiv e de outras cidades próximas e sitiadas da região leste ucraniana.

“Sinto que passei por todos os níveis de stress”, disse Ania, que por segurança não revela o apelido. “Primeiro, ficamos com medo. E choramos, não aceitamos. Muitos dos meus amigos disseram que parece que estamos dentro de um jogo de vídeo ou numa simulação – se tirarmos os óculos de realidade virtual fica tudo bem”, disse. “No início estava zangada. Agora aceitei”.

Dnipro não é o destino final para a maioria dos deslocados, que esperam que a cidade seja a rampa de lançamento para a região ocidental da Ucrânia, de onde, eventualmente, poderão passar para a Polónia ou outro país vizinho. Mas uma vez ali são confrontados com a pergunta impiedosa com que se deparam as centenas de milhares de pessoas em fuga: onde é que se está a salvo hoje na Ucrânia?

Por enquanto, Dnipro é considerada segura. Mas os soldados russos já avançaram em Zaporizhia, 80 quilómetros a sul, e podem seguir para Dnipro a seguir. Esta zona faz fronteira com a região do Donbass, onde os separatistas apoiados pela Rússia já estão a penetrar no território que era controlado pela Ucrânia. E se Kharkiv cair nas mãos das forças russas, as unidades ali destacadas podem rumar a Dnipro.

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Salwan Georges/Washington Post

A simples decisão de deixar Kharkiv, enfrentando uma das barragens de bombardeamentos (intensos e ininterruptos) russas mais ferozes desta guerra, é um enorme desafio. O ataque tem muito poucas pausas. Quase não há táxis a circular, muita gente tem que pedir boleia. Os comboios e autocarros para fora da cidade estão cheios.

Na quarta-feira, foi partilhado nas redes sociais um vídeo cuja veracidade não pôde ser comprovada mostrando pessoas a abrigarem-se debaixo de vagões enquanto caíam bombas na plataforma da estação de comboios.

Já passava das oito da noite quando Ania e a namorada chegaram a Dnipro, na segunda-feira. Passaram a noite na estação, até um tio de Ania, Evgeni, as ir buscar às seis da manhã. Estão a viver no pequeno apartamento de dois quartos do tio, juntamente com mais três pessoas e um gato.

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Anya abraça a namorada, Nia, com quem fugiu de Kharkiv Salwan Georges/Washington Post

Evgeni, que também não quis revelar o apelido por razões de segurança, esperava receber mais três refugiados nesta quinta-feira. O corredor, onde foi encaixado um sofá, foi convertido numa espécie de sala de estar. É também lá que todos se refugiam quando soam as sirenes de ataque aéreo.

Em 2014, Evgeni foi refugiado. Morava na região leste, no Donbass, quando a guerra rebentou entre as forças do Governo da Ucrânia e os separatistas apoiados pela Rússia. Agora juntou-se aos voluntários e às organizações que abriram as portas aos que fogem de um novo e mais devastador ataque russo.

“Aconteça o que acontecer, vou ficar aqui e ajudar o meu povo que não fez mal a ninguém em toda a sua vida”, diz Evgeny. “Porque eles precisam de ajuda e são muitos.”

A Kust, uma organização cultural de Dnipro que costuma organizar festivais de música, é agora um centro de refugiados. O segundo andar de uma cervejaria local tem espaço para acomodar cem pessoas. Os terapeutas estão à disposição de quem precisa. Na quarta-feira, duas crianças sentadas em esteiras no chão, mergulhavam as mãos em tinta verde e colavam-nas em folhas de papel enquanto um voluntário tentava ensiná-las a meditar. Ao fundo da rua, um hotel que foi abandonado mesmo antes da invasão foi reaberto para receber a esperada vaga de refugiados. Tem capacidade máxima para 600 pessoas. Há apenas três dias, não tinha água, aquecimento ou electricidade.

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Um palco de concertos transformado em área de armazenamento de produtos doados para os refugiados Salwan Georges/Washington Post

“Tenho as chaves do apartamento dos meus amigos, que deixaram a cidade e autorizaram-me a levar para lá refugiados”, diz Masha Skvortsova, uma das directoras da Kust. “Eu própria mudei-me para casa de um amigo para poder albergar mais gente no meu apartamento. Estamos a tentar fazer de tudo para que tenham conforto”.

A maior parte dos deslocados de guerra estão a dirigir-se para oeste, para cidades como Lviv. Mas é uma viagem arriscada, pois a rota através de Kiev é perigosa devido aos intensos bombardeamentos. O que faz de Dnipro o ponto de passagem lógico para os habitantes da zona leste do país.

Dnipro ainda não foi bombardeda e foi adoptando medidas para se proteger à medida que via cidades próximas serem atacadas. Há muitos postos de controlo dentro da cidade e nos arredores, as montras das lojas estão tapadas, os monumentos estão protegidos das possíveis explosões com sacas de areia. Não há filas à porta dos supermercados nem nas caixas multibanco, mas elas existem à porta das lojas de armas. E já há uma lista de espera para ingressar nas Forças de Defesa Territorial.

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Voluntários prepram os quartos de um hotel fechado em Dnipro para alojar as pessoas que fogem do conflito Salwan Georges/Washington Post

Para já, Ania sente-se segura em Dnipro, mas tem família em Lviv se precisar de ir para ocidente. Estava habituada a passar os dias a trabalhar na sua arte e a decidir a cor com que iria pintar o cabelo a seguir – actualmente é cor de laranja claro. Agora, está sempre a ver as notícias mais actualizadas sobre a guerra na sua amada Kharkiv, onde grande parte do centro da cidade já foi destruído. E tenta arranjar tempo para relaxar a jogar mahjong.

Também pensa em como seria regressar a Kharkiv. “Por enquanto, não me parece possível”, diz. “Não posso fazer nada. Mas quando chegar a altura, lá estarei”.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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