Ocidente prometeu armas e munições para a Ucrânia. Resta saber como as vai entregar

EUA, NATO e UE querem evitar que a operação logística de fornecimento de armamento os empurre para o confronto militar directo com a Rússia. Proposta de Zelensky para impor “zona de exclusão aérea” na Ucrânia foi rejeitada pelo mesmo motivo.

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Tropas ucranianas (em Severodonetsk, na imagem) aguardam pelo armamento prometido pela NATO e pela UE ZURAB KURTSIKIDZE/EPA

Em declarações ao Financial Times, John Raine, conselheiro do International Institute for Strategic Studies, em Londres, e especialista em Geopolítica dá o mote: “A retórica política de apoiar a resistência é fácil; fazê-lo, na prática, é mais difícil”.

Em causa está a operacionalização das variadíssimas promessas de envio de armas, de munições e de outro tipo equipamento militar para a Ucrânia, feitas pelos Estados Unidos, pela NATO, por diversos países europeus e pela União Europeia, com o intuito de ajudar o Exército ucraniano a repelir as Forças Armadas da Federação Russa que atacam “em todas as direcções” do país há seis dias consecutivos.

A Casa Branca anunciou mais de 350 milhões de dólares adicionais em ajudas militares à Ucrânia; a Alemanha e a Finlândia abandonaram as suas posições históricas de não enviar armas para palcos de guerra; a UE vai estrear-se no financiamento da compra de armas e de outros equipamentos de guerra; e até Portugal se comprometeu a enviar espingardas G3, coletes, capacetes e granadas.

“É necessário investir, com as forças da resistência que as vão utilizar, nas estruturas jurídicas e políticas necessárias para sustentar [a operação] e na cadeia de distribuição logística que vai entregar efectivamente a ajuda militar”, sublinha Raine.

Os desafios logísticos são enormes: primeiro, é preciso encontrar um lugar seguro para a entrega e garantir que o adversário – no caso, a Rússia – não tem conhecimento dele ou capacidade para interceptar ou arrebatar o armamento; depois, é necessário assegurar que quem recebe o material sabe como funciona, para que serve e tem capacidade operativa para o utilizar; para além disso, é útil ter garantias de que o receptor tem meios para distribuir as armas pelo restante território, muito dele sitiado; por fim, no caso concreto da UE, dos EUA e da NATO, é fundamental que o processo não os coloque numa situação que os force a entrar na guerra.

“Uma coisa é aceitar refugiados, como a Polónia está, louvavelmente, a fazer. Outra é transportar armas clandestinamente através da fronteira durante a noite”, diz ao jornal britânico um antigo membro dos serviços de informação de um país ocidental. “A Rússia poderia ver nessa acção um casus belli.

Procuram-se intermediários

No que à UE diz respeito, cada Estado-membro decide que tipo de material deseja enviar para Ucrânia – será depois reembolsado através do fundo de 450 milhões de euros alocados pelos 27 através do Mecanismo Europeu para o Apoio à Paz. A coordenação desta operação ficará a cargo de Josep Borrell, alto-representante para a Política Externa e de Segurança da UE, que manterá todo o processo confidencial, particularmente no que toca às modalidades de envio do armamento.

Com a maioria das instalações militares aeroportuárias ucranianas ameaçadas pela artilharia, pelos aviões e pelas tropas russas, a entrega das armas por via aérea está praticamente colocada de parte.

Uma fonte militar diz ao Financial Times que é fundamental haver uma cadeia de abastecimento terrestre bem definida e que “não se pode simplesmente depositar [as armas] num armazém”. “O mais importante é guardar quem faz as entregas, levar o material até ao sítio certo e distribuí-lo”, refere.

Isso implica, naturalmente, a participação dos vizinhos da Ucrânia, nomeadamente a Polónia, a Hungria, a Eslováquia e a Roménia.

Citado pela Euractiv, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria, revelou, porém, que o seu Governo não está disponível para assumir ou sequer permitir o transporte de armamento “letal” pelo território húngaro. “Tais entregas podem transformar-se em alvos de agressão militar hostil”, justificou Péter Szijjártó.

Uma vez que a grande maioria das armas e do material militar que entrou na Ucrânia antes do início da invasão russa, quando Vladimir Putin acumulava tropas e armamento em diferentes pontos da vizinhança ucraniana, foi transportada via Polónia, na fronteira ocidental ucraniana, o Governo polaco ofereceu-se para continuar a ser uma plataforma logística para o efeito.

Mas o enorme fluxo de cidadãos e de residentes na Ucrânia que têm acorrido às suas fronteiras para fugir à guerra – cerca de 280 mil, segundo as autoridades fronteiriças polacas – pode fazer Varsóvia mudar rapidamente de ideias.

Se a Rússia tentar bloquear a fronteira entre a Polónia e a Ucrânia “há o risco de se impedir que as dezenas, centenas de milhares de civis que ainda esperam, em longas filas” entrem em território polaco, admite Pawel Soloch, director do Gabinete de Segurança Nacional da Polónia. “Seria um acto de inimaginável barbaridade genocida”, alerta, em declarações à Radio 1.

“Terreno desconhecido”

O receio de serem arrastados para o conflito é o que mais preocupa a NATO e os países da UE em toda a operação, particularmente tendo em conta que os dois lados possuem armas nucleares – que Putin já colocou em “nível especial de combate”.

“Nos últimos anos, e até bem perto da invasão russa, [a NATO e os seus aliados] enviaram armas e munições para a Ucrânia e treinaram soldados ucranianos. Mas sempre disseram que não haverá tropas no terreno, uma vez que a Ucrânia não é membro da NATO. A situação pode, no entanto, mudar, se a Rússia avançar para além da Ucrânia, contra um país da NATO”, lembra Lyse Doucet, correspondente da BBC em Kiev, referindo o dever de assistência inscrito no artigo 5.º do tratado da aliança militar.

“Se isso acontecer, o mundo avança para terreno desconhecido e existe uma perigosa possibilidade de um confronto entre a NATO e a Rússia”, sublinha.

É, precisamente, para não arriscar esse cenário que os membros da aliança militar estão a rejeitar os apelos do Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, para estabelecer uma “zona de exclusão aérea” na Ucrânia, de forma a travar os bombardeamentos da Força Aérea russa.

“Isso significaria, basicamente, que o Exército dos EUA teria de abater aviões russos”, lembrou Jen Psaki, porta-voz da Casa Branca, em declarações à MSNBC.

“Infelizmente, as implicações disso [de uma “zona de exclusão aérea”] obrigariam o Reino Unido a abater aviões russos e a entrar em combate directo com a Rússia”, corroborou Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, numa conferência de imprensa a partir de Varsóvia, capital da Polónia. “As perspectivas [desse cenário] seriam verdadeiramente muito, muito difíceis de controlar”.

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