Há cada vez mais jovens a chegar aos consultórios com ecoansiedade. Já há terapeutas preparados

Em Portugal, oito em cada dez jovens acreditam que “o futuro é assustador” face às alterações climáticas. A EcoPsi, organização que reúne profissionais de saúde mental sensíveis às questões climáticas, tem sido pioneira no debate sobre o assunto e na preparação dos terapeutas para esta questão. Está a trabalhar com a Ordem dos Psicólogos Portugueses, tem organizado conversas sobre a ansiedade climática e deverá, em breve, lançar um guia sobre como lidar com ela.

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Seca, aquecimento global, subida do nível do mar, fenómenos atmosféricos cada vez mais trágicos e devastadores. Eventos do presente, mas que se adivinham mais intensos e recorrentes no futuro. E que podem ser responsáveis por um problema que começa a levar cada vez mais jovens e activistas aos consultórios médicos: a ecoansiedade.

Não é considerada um diagnóstico clínico, mas “é uma queixa cada vez mais frequente entre quem procura ajuda e suporte”, enquadra Tiago Pereira, psicólogo e membro da direcção da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É, antes, “uma reacção antecipatória de angústia a eventos negativos e que surge face à exposição a informação sobre a degradação climática”, complementa Pedro Oliveira, psicólogo da EcoPsi.

Nascida da inspiração relativamente à Climate Psychology Alliance (CPA), uma associação britânica e já com sede nos Estados Unidos, a EcoPsi é uma organização que reúne profissionais de saúde mental sensíveis às questões climáticas. À semelhança da CPA, quer intervir, através da psicologia, na crise climática, em áreas como a comunicação, por exemplo.

“Na psicoterapia temos vários conhecimentos sobre como transmitir uma coisa difícil à pessoa com quem estamos a trabalhar. As pessoas começaram a usar esse conhecimento da psicoterapia para (psico)educar como podemos ter conversas difíceis sobre o clima”, refere Pedro Oliveira. A EcoPsi actua também junto de activistas e populações mais jovens, mais informadas e, consequentemente, mais ecoansiosas.

Mas perante uma onda de jovens ecoansiosos, o que têm feito os profissionais de saúde? Estão preparados para responder às necessidades de quem lhes chega com este sentimento?

Em Portugal, oito em cada dez jovens acreditam que “o futuro é assustador” face às alterações climáticas, e quase seis em cada dez estão muito ou extremamente preocupados com a crise climática (segundo um estudo feito com inquéritos a jovens de dez países) — posicionando-se o país, assim, no topo dos que têm jovens com mais preocupações ambientais, urge preparar uma abordagem para lidar com a questão. E a EcoPsi tem tido um papel activo.

“Temos organizado talks internacionais com psicólogos da CPA, algumas delas sobre ecoansiedade. O nosso primeiro trabalho tem sido trazer estas pessoas estrangeiras para divulgar o conhecimento”, explica Pedro Oliveira. “Tentamos também coordenar com algumas organizações de activistas para ajudar naquilo que podemos e colaborar com organizações internacionais e globais para pressionar algumas agências decisoras e passar-lhes uma informação técnica sobre impacto que existe do ponto de vista da saúde mental”, continua Tânia Pereira Dinis, também terapeuta da EcoPsi.

Além disso, a organização realizou também “uma conversa sobre activismo e saúde mental” e está a trabalhar num guia com “directivas para jovens activistas climáticos”. Mourana Monteiro, activista e estudante de Neuropsicologia, colabora com a EcoPsi e é uma das envolvidas neste projecto.

“O guia deverá falar sobre o percurso pelo qual o activista vai passando, que obstáculos vai encontrando, que soluções pode ter para os combater. Fala especificamente de precisarmos de melhorar a nossa cultura organizacional, no sentido de promover a saúde mental e o bem-estar, através de, por exemplo, a divisão de tarefas entre todos”, diz a jovem de 25 anos.

Dentro do próprio activismo, há acções que vão sendo empreendidas para ajudar os activistas a controlarem a ansiedade, como os climate cafes. São uma iniciativa global, criada para activistas, que pretendem ser um “encontro de pessoas com facilitadores, para partilhar as suas respostas relativas à crise climática”; um “espaço para pensar e sentir, confidencial, acolhedor, amigável e hospitaleiro”, explica o site dos Climate Cafes. A EcoPsi já organizou, virtualmente, uma destas reuniões.

Além dos projectos mais independentes, a EcoPsi tem também colaborado com a Ordem dos Psicólogos Portugueses, “através do que vai sendo publicado, e de contactos informais com colegas que vão passando a mensagem e disponibilizando materiais”, refere Tânia Pereira Dinis. Tiago Pereira acrescenta que a própria Ordem está “a organizar um livro, que deverá ser publicado ainda este ano, sobre os contributos da psicologia para a questão da crise climática, que toca também o tema da ecoansiedade”. Apesar de não haver dados relativos ao número de pessoas que têm vindo a demonstrar ecoansiedade em Portugal, a OPP assegura que “há trabalho a ser feito” na área.

“Não podemos dizer que já chegamos a todos os colegas”, diz Tânia Pereira Dinis. “Haverá pessoas no terreno que estão com o mesmo tipo de preocupações. Gostávamos muito de chegar a mais colegas, para que eles venham ter connosco e possamos ter um trabalho mais fundamentado do ponto de vista técnico e também mais colaborativo, para que as pessoas tenham mais facilidade em perceber quem são os colegas que estão sensíveis ao tema”, continua.

Mourana Monteiro, que já preencheu “os critérios de ecoansiedade no sentido de problema clínico”, acredita que, apesar de os profissionais de saúde mental estarem capacitados para lidar com a ansiedade, não estão prontos para responder às necessidades de quem chega ao consultório com ecoansiedade. Mas sente que o trabalho da EcoPsi será um passo firme para preencher essa lacuna. “Uma das ideias da EcoPsi que, felizmente, está a crescer, é a de formarmos os psicólogos e profissionais de saúde mental em Portugal para esse tipo de sinais e intervenções eficazes.”

Enquanto esse caminho vai sendo feito, os terapeutas deixam algumas dicas para quem está a sofrer de ecoansiedade. “Procurar ajuda profissional pode ser muito útil para lidar melhor com o que se está a sentir”, afirma Tiago Pereira. Tânia Pereira Dinis aconselha a “procurar pares”, para “a pessoa perceber que não está sozinha”. “Em primeira linha, importa perceber que é uma reacção normal e que não estão sozinhos. Informarem-se e fazerem alguma triagem da exposição: procurarem onde podem falar de sentimentos, mas também não se afogarem em notícias sobre os vários eventos que vão acontecendo, porque muitas vezes a sobreposição faz com que a pessoa fique menos capaz de se mobilizar.”

Pedro Oliveira acrescenta ainda as práticas “que ajudam à saúde mental seja qual for a questão”, como “a prática de exercício físico de forma regular, a meditação e o tentar fazer visitas à natureza e sair do espaço humano”.

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