Artistas russos cancelam participação na Bienal de Veneza em protesto. Obra do pavilhão da Ucrânia já terá saído do país

A invasão deixou em suspenso a presença da Ucrânia nesta importante bienal de artes, mas uma curadora decidida resolveu que nem uma guerra a iria impedir de ver o país representado. E fez-se ao caminho. No pavilhão russo, os artistas também protestam contra a guerra. Os escolhidos recusaram-se a participar.

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Instalação com que Pavlo Makov foi convidado a representar a Ucrânia em Veneza Cortesia do artista

Pavlo Makov, 63 anos, foi o artista encarregado de representar a Ucrânia na Bienal de Veneza 2022, que deverá começar a 23 de Abril, mas a invasão russa do país parecia ter deixado a sua participação neste que é um dos mais importantes eventos do calendário das artes plásticas em risco, até que uma das curadoras responsáveis pelo pavilhão de Kiev resolveu fazer-se à estrada. Agora tudo volta a ser possível.

Segundo a publicação The Art Newspaper, perante a incerteza que a guerra acarreta aos mais variados níveis e com os voos comerciais cancelados, a jovem Maria Lanko agarrou na obra de Makov que deverá ser exposta em Itália, Fountain of Exhaustion (1996), colocou-a no banco de trás do seu carro e, apesar das tropas russas espalhadas pelo território, conduziu até à Polónia, deixando para trás o seu país.

Foi o próprio Pavlo Makov quem, ao telefone, confirmou a saída de ambas da Ucrânia ao Art Newspaper, que para já não avança mais pormenores em relação ao paradeiro de Lanko e da instalação deste artista nascido na Rússia.

Na quinta-feira, Makov e os curadores independentes Maria Lanko, Lizaveta German e Borys Filonenko tinham feito saber que a equipa artística envolvida no pavilhão ucraniano estava dispersa por vários pontos do país (Kharkiv, Kiev e Lviv) e do estrangeiro, e que a situação crítica decorrente da invasão russa punha em risco a sua participação na bienal.

Para já não se sabe se, ou quando, o pavilhão de Kiev em Veneza abrirá portas, certo é que o russo estará fechado. Os artistas que deveriam representar a Rússia na bienal recusaram participar em resposta à ofensiva ordenada pelo Presidente Vladimir Putin.

Segundo a Ocula, plataforma e revista online dedicada às artes, Alexandra Sukhareva partilhou no domingo um post na rede social Facebook, também assinado por Kirill Savchenkov, em que condenam a invasão e explicam por que razões desistem de Veneza: “Não há lugar para a arte quando estão a morrer civis sob o fogo de mísseis, quando os cidadãos da Ucrânia estão escondidos em abrigos, quando os opositores russos estão a ser silenciados”, escreveram. “Tendo nascido na Rússia, não irei apresentar o meu trabalho no pavilhão russo da Bienal de Veneza”, continua Sukhareva, para que não restem dúvidas.

Os organizadores da representação russa já confirmaram, via Instagram, a decisão dos dois artistas e do curador responsável, Raimundas Malašauskas, acrescentando que, consequentemente, “o pavilhão russo ficará fechado”.

“O pavilhão russo é uma casa para os artistas, para a arte e para os criadores. Trabalhámos de perto com os artistas e com o curador neste projecto desde o primeiro dia e aguardámos as suas decisões independentes, que respeitamos e apoiamos acima de tudo”, escreveram.

“A Rússia não vai parar. Nós também não”

Pavlo Makov permanece com a sua família em Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia. Nascido em São Petersburgo, o artista abdicou de quaisquer laços profissionais com a Rússia em 2014, durante o conflito que opôs os dois países, argumentando que lhe era impossível continuar a trabalhar com uma nação que tudo faria para conquistar territórios à Ucrânia.

“Não vou fugir da minha casa, embora não possa lutar, não sei como. É preciso treino. Vamos ver o que acontece a seguir”, disse agora Makov ao Artnet News, um site dedicado ao mercado da arte, muito consultado por galeristas, curadores e artistas. “A Rússia não vai parar sem mais nem menos. Eles continuarão a lutar, mas nós também.”

Fountain of Exhaustion, a instalação de parede com três metros quadrados que deverá mostrar em Veneza, é composta por um sistema de 78 funis esculpidos em bronze que vão passando a água de uns para os outros até que restam apenas algumas gotas. Pavlo Makov fê-la em meados dos anos 1990 como denúncia, entre outras coisas, das dificuldades quotidianas na cidade de Kharkiv, em que as infra-estruturas essenciais, em muito mau estado, comprometiam com frequência o abastecimento de água às populações.

Agora, ouvindo explosões à distância, Pavlo Makov não escondeu o seu desalento ao conversar com Kate Brown, do Artnet, lembrando-a de que a Ucrânia perdeu 15 mil soldados no contexto da anexação russa da Crimeia, em 2014.

Makov, etnicamente russo (nasceu em São Petersburgo), estudou Artes na Crimeia e tem vivido sobretudo na Ucrânia. “Sou um cidadão da Ucrânia e a minha cidadania é muito mais importante para mim do que a minha identidade étnica”, acrescentou o artista que tem vindo a vender obras de arte para ajudar a custear a compra de armamento para resistir ao avanço russo desde as primeiras movimentações na Crimeia.

A Europa pensou que este era um pequeno conflito noutro lugar”, disse o artista, referindo-se à disputa por esta península do Mar Negro. “Mas este é um conflito na fronteira oriental da Europa. Nos últimos oito anos, o Ocidente não reconheceu o que estava a acontecer aqui: uma guerra contra uma civilização. Esta não é uma guerra entre ucranianos e russos – esta é uma guerra entre duas civilizações e duas mentalidades.”

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