Juiz Ivo Rosa concede estatuto de vítimas a 94 lesados do BES

Será a primeira vez na justiça portuguesa que o estatuto em causa é aplicado no âmbito da criminalidade económico-financeira.

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Os lesados do BES têm levado a cabo vários protestos Diogo Baptista

O juiz de instrução criminal Ivo Rosa concedeu a 94 lesados do Banco Espírito Santo o estatuto legal de vítimas, estatuto que lhes reduz substancialmente o pagamento de custas judiciais e que lhes permitirá pedirem o reembolso das despesas já efectuadas com este processo. Poderá permitir igualmente a estes lesados receberem as indemnizações que o tribunal eventualmente lhes venha a atribuir sem esperar pelo desfecho dos infindáveis recursos habituais neste tipo de processos.

Será a primeira vez na justiça portuguesa que o estatuto em causa é aplicado no âmbito da criminalidade económico-financeira: o habitual é ser usado a favor de vítimas de crimes violentos ou em casos de violência doméstica. O Ministério Público manifestou-se contra o seu uso neste caso, precisamente por essa razão, tendo defendido que o Código de Processo Penal não permite a atribuição do estatuto de vítimas aos lesados por delitos deste tipo.

O objectivo final dos lesados é evitarem ficarem anos e anos à espera do fim do processo-crime que tem como principal arguido Ricardo Salgado para poderem receber as suas indemnizações. Com este estatuto, explica o advogado de grande parte dos queixosos, Nuno Vieira, se houver uma condenação em primeira instância os lesados poderão logo aí ser ressarcidos provisoriamente dos prejuízos que sofreram, independentemente de os arguidos recorrerem dessa decisão judicial.

Houve uma outra lesada de 74 anos que pediu o estatuto de vítima especialmente vulnerável e também uma pensão mensal provisória, dois pedidos que foram negados por Ivo Rosa. A mulher, que investiu 130 mil euros em obrigações nos balcões do BES, não tem filhos, e recebe uma pensão de 283 euros que não chegam, diz, para suportar os cuidados médicos de que precisa. O juiz indeferiu o estatuto de especial vulnerabilidade por a mulher não ter apresentado ao tribunal comprovativos do que alegou e rejeitou atribuir a pensão provisória sublinhando que o Tribunal Central de Instrução Criminal não tem competência para avaliar a eventual responsabilidade civil dos arguidos e que este não é o momento adequado para fazer este pedido já que ainda não existe uma condenação em primeira instância.

Antes, contudo, o juiz confere o estatuto de vítima a 94 lesados. Ivo Rosa recorda que a directiva europeia de 2012 que protege as vítimas abrange aqueles que forem atingidos por qualquer tipo de crime e que a Lei 130/2015 também não o exclui. “Perante a clareza da letra da lei em falar em ‘vítimas de criminalidade’ ou ‘no âmbito da prática de um crime’ não é possível concluir que o legislador teve apenas em mente a criminalidade violenta, a criminalidade contra as mulheres, o tráfico de seres humanos, etc”, escreve o magistrado. “Excluir certos crimes do âmbito de aplicação do estatuto da vítima seria permitir ao aplicador da lei a possibilidade de considerar um pensamento legislativo que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal”.

E recorda que alguns arguidos estão acusados de associação criminosa e corrupção, delitos que integram a criminalidade altamente organizada.

“É uma decisão inédita em Portugal”, congratula-se Nuno Vieira, ciente de que a atribuição deste estatuto ainda pode, no entanto, ser revertida, caso Ricardo Salgado recorra do despacho de Ivo Rosa e os tribunais superiores lhe dêem razão. “Estamos na iminência de apresentar um pedido de arresto de bens no valor de 250 milhões de euros, para impedir a dissipação do património”. Contas bancárias, carros, imóveis, obras de arte mas também terrenos e até relógios estão entre os bens que os lesados vão indicar para arresto.

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