Dizer “alterações climáticas” ainda é tabu nos media

“É Inverno, mas não chove”. Mas os media continuam sem dizer alterações climáticas, e sem criar espaços de ligação causa-efeito-solução. Se o fazem, fazem-no pouco.

Foto
Miguel Manso

“Os especialistas dizem.” Alguém os ouve? “O problema não é de agora”. Andámos a brincar? Quase 60% do país em seca severa. E então? Espaços turísticos correm riscos na sua actividade devido à falta de água. O que se pode fazer? Água a ser desperdiçada em Paços de Ferreira porque a distribuição está entregue a privados. Não vamos mudar isso?

“É Inverno, mas não chove”. Mas os media continuam sem dizer: alterações climáticas. Os cientistas dizem-nos que as alterações climáticas começaram a manifestar-se há décadas. Mas decidimos deixar andar; a ver se os problemas chegavam, entretanto, a este cantinho do mundo “onde nada acontece”. Mas temos o descaramento de admitir que “o problema não é de agora”.

Recentemente, tive a oportunidade de entrevistar seis activistas, nomeadamente, três da América Latina e uma do Paquistão – zonas que sofrem, há décadas, com os impactos das alterações climáticas, mas continuam sem ter solidariedade e atenção internacionais. Mais uma vez a tendência masoquista preguiçosa do ser humano de esperar pelo infortúnio. Ou, talvez, a ignorância dos que tem óculos de dólares à Tio Patinhas ou se vestem à Ebenezer Scrooge. (E, infelizmente, o mundo tem muitos, a quem não dá jeito encarar a crise climática.)

O jornalismo pode ser bastante poderoso nos movimentos sociais, oferecendo condições para que as pessoas possam formar opiniões fundamentadas. No entanto, tem de ter em atenção que o público a que se dirige não é homogéneo.

A activista paquistanesa com quem falei disse-me que a avó dela não entende o que é o carbono ou as emissões globais, mas sabe que, por algo não estar bem com o planeta, as suas colheitas estão a morrer.

Se o jornalismo tiver alma no seu trabalho, não apenas as dos jornalistas, mas as das histórias que está a contar, então não há peças insignificantes. É assim que desperta empatia colectiva nos leitores, momentos de reflexão e um espírito inovador. O jornalismo não se pode limitar a textos abstractos, demasiado científicos: precisa de adaptar-se a uma táctica de narrativa, sobretudo neste tipo de tema, como as alterações climáticas

O jornalismo tem de ser imparcial, não pode estar do lado do negócio – e digo isto mesmo que, enquanto estudante de jornalismo, ambicione ter esta profissão precária. Quero deixar claro que não são os jornalistas a culpar, mas sim a um ramo que ficou financeiramente fragilizado ao abrigo de um alinhamento editorial que vai ao encontro das audiências ou dos cliques.

Um activista espanhol lembrou-me também: todos reclamam dos preços altos da electricidade, mas poucos sabem o porquê de isso estar a acontecer. Os media não criam espaços e ligação causa-efeito-solução se o fazem, fazem-no pouco.

É preciso ver além do superficial. É dessa forma que geramos impacto, aproximamos as pessoas, e que elas voltam a confiar no jornalismo – e a querer pagar por ele. Não basta fazer entrevistas à Greta, fazer a cobertura da COP ou dizer que a Amazónia está a arder. Precisamos de mostrar como é que a crise climática se funde nos problemas de todos os dias, e possibilitando a tornar-se um assunto na opinião pública. Sem um jornalismo aprofundado, nunca irá existir uma cultura de interesse, mobilização, proactividade na população.

Temos de pensar nas motivações de escrever, de fazer jornalismo. Ainda há tempo, para mudarmos os media e para agirmos contra a crise climática. Mas calma, afinal, sou só uma estudante de jornalismo que luta por justiça climática.

Sugerir correcção
Comentar