Campanha eleitoral e reabertura das escolas atrasam pico da quinta vaga

Pico da quinta vaga de pandemia deverá ter lugar no início de Fevereiro. Projecções indicam que o número de casos confirmados vai rondar os 60 mil por dia. Cerca de 350 a 400 mil potenciais eleitores em isolamento no dia das eleições legislativas.

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Campanha eleitoral vai na segunda semana Adriano Miranda

A campanha eleitoral e todos os movimentos de pessoas a ela associados alteraram as projecções quanto à evolução da pandemia nas próximas semanas. Esta é a visão do matemático Henrique Oliveira, do Instituto Superior Técnico, que, em declarações ao PÚBLICO, coloca duas razões para a subida de casos de covid-19 e o subsequente retardar do pico desta quinta vaga da pandemia, inicialmente previsto para os dias 20 a 24 de Janeiro: a campanha eleitoral e a reabertura das escolas. Mas Carlos Antunes discorda e diz, ao PÚBLICO, que não há evidências de causalidade entre a campanha e o aumento de casos.

“Sobre a campanha eleitoral, [a relação] observa-se por dois dados: pelos dados da mobilidade local que aumentaram e, por outro lado, por causa da aceleração dos contágios, que é verdadeiramente surpreendente”, começa por explicar Henrique Oliveira. O matemático defende que “na quarta-feira da semana passada, ou seja, poucos dias depois do início da campanha eleitoral”, Portugal estava a caminho do pico desta quinta vaga, que deveria acontecer alguns dias depois, “na sexta-feira”.

O que mudou? “Na quinta e na sexta-feira, os números começaram a disparar e esse disparo só tem uma justificação e é quase impossível ser de outra forma porque é transversal à sociedade toda”, justifica. E acrescenta ainda que a campanha eleitoral é, por isso, “um elemento inesperado, que não estava nas equações anteriores” uma vez que os modelos que traçou tinham em conta uma campanha semelhante à das eleições presidenciais de 2021, ou seja, “não tão movimentada”.

Pico no início de Fevereiro e até dia 12

De acordo com as previsões de Henrique Oliveira, é por isso expectável que o pico desta vaga aconteça “no início de Fevereiro e até dia 12”, com o tecto máximo a atingir os 60 mil casos confirmados, numa média a sete dias. Contudo, o número total de infecções pode ser bem mais elevado e chegar às 130 mil, não sendo todas elas notificadas devido à pressão no sistema de testagem.

Já Carlos Antunes não correlaciona a campanha eleitoral com o retardamento do pico de infecções e diz, antes, que a relação de causa e efeito está mais relacionada com a reabertura das escolas. “Sou mais cauteloso a falar sobre isso porque tinha de ter evidência sobre qual é a população afectada pelas arruadas, quais as regiões mais afectadas, onde existe mais actividade, onde existe mais contacto social nas arruadas, qual a dimensão desses contactos”, entre outros motivos, como explica o também professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Por isso, defende que está actualmente a acontecer uma “sequência de causas que vão impactar a incidência, mas a certa altura sobrepõem-se umas às outras e já não é possível identificá-las”, uma vez que existe transmissão comunitária do vírus.

Nesse sentido, na projecção que Carlos Antunes faz para a evolução dos indicadores pandémicos, o investigador concorda que o pico desta vaga terá lugar no início de Fevereiro, com uma média diária de infecções acima dos 60 mil casos confirmados, podendo chegar a ultrapassar os 70 mil, pontualmente.

“Quanto às mortes, estamos ainda numa fase de aumento e a tendência é de subida. Em termos médios, no pico, podemos ir aos 45 óbitos por dia, neste momento estamos nos 38-40”, acrescenta ainda. Já no que toca aos internamentos, Carlos Antunes perspectiva que não se ultrapassem as 2500 hospitalizações e nas unidades de cuidados intensivos (UCI) “dificilmente se irão alcançar as 200 camas ocupadas”. “Longe de chegar à linha vermelha de 255” doentes internados em UCI.

Já a projecção de Henrique Oliveira é que os internamentos vão continuar a aumentar, sendo o tecto máximo de 2750 doentes internados no total. Em UCI esse tecto máximo é de 240 pessoas. Mas Óscar Felgueiras alerta, em declarações ao PÚBLICO, que “há, de facto, uma diferença muito grande na trajectória do que são os internamentos gerais e no que são os internamentos em cuidados intensivos, onde a situação está particularmente controlada”.

“Em UCI nunca se atingiram os valores na ordem dos 179 doentes, que são os tais 70% das linhas vermelhas. É mesmo improvável de ser atingido e, nesse sentido, temos uma situação relativamente controlada”, nota Óscar Felgueiras.

Por fim, de acordo com a projecção de Carlos Antunes, o número de pessoas em isolamento, ou seja, quem está ainda a lidar com a doença e os contactos em vigilância pelas autoridades de saúde, poderá no início de Fevereiro chegar aos 1,5 milhões, o que perfaz um total de cerca de 15% da população portuguesa.

Também Óscar Felgueiras concorda que, uma vez que a “tendência da incidência ainda é de subida, é inevitável superar a fasquia de um milhão” de pessoas isoladas no país. “Apesar de tudo, diria que desse milhão uma grande percentagem não pode votar sequer”, ou seja, cerca de 30% desses isolados, que são pessoas com menos de 19 anos, sustenta.

Henrique Oliveira fez as contas e defende que serão cerca de 350 a 400 mil os eleitores em isolamento, excluindo-se já os abstencionistas, os menores de 18 anos e as pessoas gravemente doentes ou muito idosas. A última projecção indicava que este número poderia estar entre 180 e 250 mil potenciais eleitores em isolamento.

Campanha (quase) sem casos

Entre as principais figuras dos partidos em campanha eleitoral, apenas João Ferreira da CDU, que a par de João Oliveira foi definido como substituto de Jerónimo de Sousa devido à operação de urgência do secretário-geral do PCP, foi “atingido” pelo vírus. Ferreira regressa hoje à campanha da CDU numa viagem de eléctrico entre a Praça da Figueira e o Cais do Sodré, em Lisboa.

Já segundo fonte oficial da campanha do PSD, há três dias duas pessoas da equipa de imagem testaram positivo à covid-19, sendo estes os únicos casos numa campanha cujos intervenientes se testam diariamente. Do lado do PS e do Bloco, ainda sem baixas até ao momento, há também testagem regular. E na comitiva do CDS, que se testa diariamente, houve já dois casos, bem como outros dois entre os jornalistas que seguiam a campanha centrista.

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