As legislativas e o mar português: os 3% terrestres que vão decidir sobre os 97% marinhos

Que propostas para 97% do território nacional apresentam, nos seus programas e compromissos eleitorais, os partidos com assento parlamentar?

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Portugal tem uma enorme responsabilidade na conservação e utilização sustentáveis dos oceanos Nuno Ferreira Santos

O oceano tem um papel central na subsistência, prosperidade e bem-estar da humanidade, sendo parte necessária e essencial – incontornável – da solução para vencermos a actual emergência planetária reconhecida pelas Nações Unidas: alterações climáticas, perda de biodiversidade e poluição.

O enorme espaço marítimo nacional (de facto, 97% de Portugal é Mar), com quase 4 milhões de km2 de extensão, composto pelos mares territoriais e zonas económicas exclusivas de Portugal continental e das regiões autónomas dos Açores e da Madeira e ainda pelo fundo oceânico que os liga até aos limites da chamada “plataforma continental estendida” dá a Portugal soberania ou jurisdição sobre c. de 50% do chamado mar pan-europeu e torna-nos uma das maiores nações marítimas a nível mundial. Portugal tem, assim, uma enorme responsabilidade, nacional e internacional, na conservação e utilização sustentáveis do oceano.

Que propostas para estes 97% do território nacional apresentam, nos seus programas e compromissos eleitorais para as eleições do próximo dia 30, os partidos com assento parlamentar?

Nos programas da CDU, IL e Chega, assinala-se a ausência de qualquer menção ao mar (enquanto tal) e, entre os partidos mais à direita no Parlamento, apenas o CDS apresenta uma medida para o mar, a saber, a constituição de “uma Comissão Parlamentar para as políticas do Mar”, integrada no compromisso “Mundo Rural, Mar e Natureza”.

E de que forma se propõem os restantes partidos abordar: (i) a exploração sustentável do nosso mar, (ii) alicerçada na sua conservação e recuperação, (iii) no quadro de processos de planeamento e gestão integrados, com base (iv) na melhor informação científica e (v) no envolvimento de toda a sociedade (vi) na sua governação?

  1. Exploração sustentável: PS, PSD, BE, PAN e Livre apresentam diferentes propostas relacionadas com vários aspectos da sustentabilidade da pesca, nomeadamente em termos das técnicas e artes utilizadas, da monitorização da actividade e da investigação associada, e da eliminação de incentivos danosos para o ambiente; PS e PSD referem também outros campos da economia do mar, como aquacultura, biotecnologia, energias renováveis, também com preocupações de sustentabilidade; BE, PAN e Livre propõem que se impeça a mineração no meio marinho, com vista à protecção dos ecossistemas marinhos;
  2. Conservação e recuperação: O PSD propõe a “Atualização das áreas de proteção especial e estabelecimento dos respetivos Planos de Gestão” e o Livre defende a expansão da rede de Áreas Marinhas Protegidas (AMP) para “para cobrir, pelo menos, 10% de todos os habitats, regulamentado-as e fiscalizando-as de forma eficaz e justa.” O PS, o Bloco de Esquerda (BE) e o PAN aproximam-se das metas em discussão a nível internacional, de protecção de (pelo menos) 30% de áreas marinhas até 2030. O BE chama a atenção para a importância destas AMP serem dotadas dos correspondentes “meios humanos, financeiros e técnicos suficientes para a sua gestão, monitorização e fiscalização”;
  3. Planeamento e gestão integrados (Ordenamento do Espaço Marítimo): PS e PSD apostam no pleno desenvolvimento e implementação do Plano de Situação do Ordenamento do Espaço Marítimo Nacional (PSOEM), como forma de garantir o seu uso sustentável, ao passo que o BE e o Livre propõem a revisão da Lei de Bases do Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional: o BE para substituir as concessões que actualmente podem atingir 50 anos de duração por licencas “renováveis atribuídas condicionalmente” e a “introdução da coexistência de critérios de ponderação de usos, considerando a importância climática do mar” (aspecto do PSOEM que o PSD também considera dever ser reforçado); o Livre “para promover o adequado ordenamento do espaço marinho e da zona costeira, limitar a poluição de fonte terrestre e marítima e impedir quer a mineração em mar profundo quer a exploração de hidrocarbonetos”;
  4. Investigação científica: com algumas variantes, todos estes partidos (PS, PSD, BE, PAN e Livre) defendem a importância do reforço da investigação científica (incluindo monitorização oceânica) nos vários domínios das ciências do mar como forma de alavancar a protecção e a exploração sustentável do oceano;
  5. Envolvimento da sociedade: Só o PS e o PSD propõem a promoção da literacia do mar (ou do oceano), suporte essencial para se garantir a construção de uma sociedade “azul”, conhecedora tanto do impacto do oceano nas nossas vidas como do nosso impacto sobre o oceano – e capaz de promover a alteração de comportamentos necessária para promover a sua sustentabilidade. O PS propõe “um programa educativo (…) com expressão consistente desde o Ensino básico” e o PSD vai um pouco mais além, defendendo o “Estabelecimento de um Programa Nacional para a Literacia do Mar dirigido a todos os portugueses e com aplicação obrigatória em todos os níveis de Ensino”;
  6. Finalmente, em termos da governação do mar, PS e PSD referem a concretização da Estratégia Nacional para o Mar e do seu plano de acção. Adicionalmente, o PSD propõe, entre outros, a criação de um “Conselho Nacional do Mar, órgão independente de consulta do governo para o estabelecimento das opções estratégicas e em todos os domínios do planeamento, gestão sustentável e desenvolvimento económico do Mar de Portugal, incluindo as matérias de governação internacional do oceano”. Neste domínio da governação internacional, o PAN pretende contribuir para o desenvolvimento internacional de um “Tratado dos Oceanos”, com um plano de mitigação para as alterações climáticas e o PS quer “continuar a liderar a agenda internacional dos Oceanos” nomeadamente com a organização, em Lisboa, da segunda Conferência Mundial sobre os Oceanos, em que se fará um ponto de situação global sobre os progressos a nível da implementação do Objectivo de Desenvolvimento Sustentável 14, relativo ao Oceano.

Estes programas e compromissos políticos apresentam um conjunto de ideias, que, em muitos aspectos, se reforçam mutuamente, com potencial para nos permitir atingir resultados importantes e significativos, e em tempo útil, a nível da conservação, recuperação e utilização sustentável do nosso oceano. Mas é crítico que as acções acompanhem as palavras e isso é e será sempre uma decisão política, tão mais forte quanto maior a atenção e interesse que tenham na sociedade. E fica claro da leitura destas propostas que, quanto maior a diversidade de partidos a defender estas opções, maior a riqueza e impacto das soluções a que chegaremos.

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