Selminho: Moreira absolvido do crime de prevaricação por inexistência de provas

Há um mês, o Ministério Público pediu a condenação do presidente da Câmara do Porto com uma pena de prisão suspensa e como sanção acessória a perda do actual mandato.

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Rui Moreira à entrada da leitura da sentença do processo Selminho Nelson Garrido

O colectivo de juízes presidido por Ângela Reguengo absolveu nesta sexta-feira o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, no processo Selminho, do crime de prevaricação por inexistência de provas. O procurador do Ministério Público (MP), Luís Carvalho, que tem a cargo o caso, anunciou, no final da leitura da sentença, que vai recorrer para o Tribunal da Relação.

A juíza Ângela Reguengo desmontou todos os argumentos que levaram o MP a acusar Rui Moreira, defendendo que, de acordo com todas as testemunhas que passaram pelo tribunal, os factos apontam para a inexistência do crime de prevaricação.

Na leitura do acórdão, que decorreu no Tribunal Criminal de São João Novo, no Porto, a juíza referiu que, em julgamento, não ficou provado que o autarca tenha dado instruções ou agido com o propósito de beneficiar a Selminho e insistiu que não ficaram provados os factos ilícitos que constam da acusação do MP, que, nas alegações finais, tinha pedido a condenação do autarca a uma pena suspensa e à perda de mandato.

Rui Moreira foi julgado pelo crime de prevaricação por favorecer a imobiliária da família (Selminho), da qual era sócio, em prejuízo do município do Porto, no litígio judicial que opunha a autarquia à imobiliária.

Algumas horas depois de deixar o tribunal, Moreira quis comentar a sua absolvição e deixar bem claro que este “foi sempre um processo político” e que teve impacto nas eleições autárquicas do ano passado que venceu, mas perdendo a maioria absoluta. “Este processo foi sempre político. Não estou a dizer que, na sua origem, fosse político. Aquilo que afirmo é que se transformou em processo político. Já não tenho idade nem para acreditar no pai natal nem para acreditar em acasos”.

Entre elogios ao tribunal e agradecimentos às muitas pessoas que lhe telefonaram, como foi o caso do Presidente da República, Rui Moreira, partilhou que sentia a sua honra reparada. “Sinto que além da absolvição, foi reparada a minha honra e desfeita qualquer dúvida que pudesse existir”, acrescentou. Agradeço ao tribunal o cuidado em analisar todo o relacionamento entre a câmara e a Selminho desde 2005 – só cá cheguei em 2013” –, afirmou, para garantir que a postura do município foi sempre a mesma e que não teve qualquer intervenção directa ou indirecta nessa relação.

Moreira não esqueceu o sofrimento que este caso lhe causou e falou dele. “Sofri eu, sofreu a minha família, sofreram muitos portuenses, que insistentemente se dirigiam a mim sempre com palavras de apoio, força e não raras vezes de revolta”, disse, elogiando o “carácter granítico dos portuenses”.

No período das perguntas, Rui Moreira criticou os políticos que fizeram “aproveitamento político” do caso judicial, querendo que ele não se candidatasse, inclusive “um líder partidário”. Mas não se ficou por aqui. Aproveitou para beliscar aqueles que “vilipendiaram” o seu nome “durante o processo judicial e que, mesmo sem sentença, o tenham “condenado insistentemente na praça pública”. “Houve “líderes políticos que nunca quiseram respeitar a presunção de inocência”, disse, numa óbvia alusão a Rui Rio, embora não tenha nunca mencionado o seu nome.

Em causa está o facto de o PSD se ter pronunciado sobre o caso nas últimas eleições autárquicas. Fê-lo através de Vladimiro Feliz, candidato pelo PSD ao município do Porto, que disse que Moreira não tinha condições para se candidatar, e através do próprio Rui Rio, que falou sobre o uso da câmara para fazer negócios de família.

Em Maio de 2021, depois da decisão instrutória que determinou que o autarca iria a julgamento, o líder social-democrata afirmou que “Vladimiro Feliz nunca se aproveitou do cargo de vice-presidente ou de vereador para fazer negócios em benefício pessoal ou da sua família”. Moreira respondeu então: “Achava que o dr. Rui Rio não fosse populista e demagogo”.

A sentença do caso Selminho foi conhecida um mês depois de o procurador Luís Carvalho ter pedido a pena de prisão suspensa para Rui Moreira pelo crime de prevaricação de titular de cargo político e pediu também uma pena acessória: a perda do actual mandato do autarca.

Segundo o MP, “o arguido é titular de cargo político e actuou conscientemente para beneficiar a Selminho”, em prejuízo dos interesses do município que lhe cabia defender. O procurador frisou que “mudou tudo” em relação à Selminho, a partir do momento em que Rui Moreira tomou posse como presidente da Câmara do Porto, em 2013. Até essa altura, observou, “a imobiliária nunca viu satisfeita, por parte da câmara, a pretensão de construir um empreendimento no terreno que a sua família adquirira na Calçada da Arrábida”.

MP tem 30 dias para apresentar recurso

Bem mais duro foi o advogado de defesa de Rui Moreira: “O tribunal não se limitou a fazer uma apreciação dos elementos típicos do crime, o tribunal fez uma avaliação e uma análise profundíssima do que estava em causa e acho que quem hoje não ficou perfeitamente consciente de que o dr. Rui Moreira não teve qualquer tipo de intervenção e qualquer tipo de atitude que lesasse ou que ferisse o município e todos os deveres do seu cargo, muito honestamente é porque esteve desatento”, declarou.

“Acho que hoje, é raríssimo dizer isto, mas o tribunal hoje encheu-me as medidas porque o tribunal foi muito além do que eu esperava, o tribunal fez uma análise absolutamente exaustiva e, ponto por ponto, demonstrou que não há rigorosamente nada a apontar ao dr. Rui Moreira no que diz respeito ao exercício da sua função como presidente da câmara”, acrescentou Tiago Rodrigues Bastos, revelando que o tribunal provou que o “dr. Rui Moreira não cometeu nenhuma prevaricação, não cometeu nenhuma infidelidade ao seu cargo. Isto devia deixar toda a gente contente, pelos vistos só não deixa o Ministério Público”.

Relativamente ao MP, o advogado do presidente da Câmara do Porto apontou o dedo ao procurador e disse: “O que hoje assistimos aqui é uma vergonha. Pelo menos o Ministério Público poderia ter a hombridade de ponderar, de ler, de verificar, mas quis fazer pura e simplesmente o “show off” de vos [aos jornalistas] comunicar que iria interpor recurso. Com todo o respeito, ou sem ele, é uma vergonha que um procurador actue desta forma”, disse Tiago Rodrigues Bastos, revelando que o MP tem agora 30 dias para apresentar recurso para a Relação.

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