Ca(u)sa própria

Ainda que atenuada com as subidas do salário mínimo constantes, é impossível querermos ter uma economia pujante ao nível de consumo, uma comunidade menos endividada, uma classe jovem mais instruída e um (muito importante a longo prazo) aumento da natalidade, sem garantir acesso a casa própria a curto/médio prazo.

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Duarte Drago

Um estudo de 2020 garantia que apenas 24% dos jovens com menos de 30 anos têm casa própria. A idade média de saída de casa dos pais em Portugal aponta para os 29 anos. Temos um problema em Portugal de que se tem falado pouco em campanha. Comprar casa é um luxo disponível para a maioria apenas após os 30 anos, e com endividamento muitas vezes para lá da idade activa.

Atentemos no seguinte. Um jovem que ganhe 1300 euros mensais, actual salário médio português, conta com um salário líquido mensal de 960 euros. Se conseguir destinar 30% dos seus rendimentos para fins de poupança ao final de um ano (vamos contar com 14 remunerações mensais) terá perto de 4000 euros reservados. Isto pressupondo que faça a sua gestão mensal com 672 euros (com todos os possíveis gastos que possa ter, desde arrendamento, automóvel e manutenção, serviços de água, luz, gás e afins).

Um jovem que ganhe o salário médio (não o mínimo!), ainda que tenha uma situação que lhe permita poupar 4000 euros de forma anual (morando em casa dos pais, partilhando casa ou não tendo viatura própria, por exemplo), demora quatro anos e meio para ter montante suficiente para a entrada mínima num crédito habitação para uma casa de 140 mil euros, com custos processuais na ordem dos 4000 euros. Nota: uma casa de tipologia simples T1, T2, por este valor, já não é assim tão usual, principalmente nos grandes centros urbanos.

Auferindo o salário mínimo, seguindo a lógica milagrosa em que o sujeito dispõe de 30% das verbas para poupança, o prazo aumenta para sete anos e meio.

Contas feitas, após os prazos definidos para efeitos de exequibilidade de taxa de esforço, um cidadão activo, que frequente o ensino superior numa média de cinco anos (licenciatura + mestrado, na generalidade dos cursos), entrando no mercado de trabalho aos 25 anos (não assumindo a natural progressão), fará um crédito perto dos 30 anos, com duração provável até aos seus 60 anos. Até lá, estará cinco anos a amealhar o que sobra, contribuindo pouco para a economia numa óptica de consumo e com investimento nulo (ou correndo o risco de descapitalizar e adiar as suas metas).

Esta situação é incomportável.

Ainda que atenuada com as subidas do salário mínimo constantes, é impossível querermos ter uma economia pujante ao nível de consumo, uma comunidade menos endividada, uma classe jovem mais instruída e um (muito importante a longo prazo) aumento da natalidade, sem garantir acesso a casa própria a curto/médio prazo.

É impensável que, mesmo com salários muito acima da média e com o que noutros países seria apelidado de óptimo credit score, os jovens precisem de apoio de terceiros ou de se endividarem em paralelo (usando créditos pessoais acessórios) para investirem numa habitação.

Não deixando de destacar o sucesso de programas como o Porta 65, é necessário dar uma resposta melhorada, que estanque o problema da aquisição e que origine ela própria uma consequente deflação das condições de arrendamento.

De todos os programas eleitorais apresentados, o único que contempla uma proposta neste tópico é o do Partido Livre. Que se procurem entendimentos, troca de ideias, abertura ao debate para resolver um dos maiores obstáculos ao crescimento dentro da classe jovem.

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