Governo britânico diz que a população “deve aprender a viver com a covid”

Ministro da Saúde, Sajid Javid, afasta um novo confinamento, apesar do enorme aumento do número de infecções em Inglaterra. Especialistas lançam alertas, mas dizem que as consequência serão menos graves do que em outras fases da pandemia.

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Sajid Javid, ministro da Saúde britânico, salienta os efeitos positivos da vacinação, da testagem e dos tratamentos antivirais EPA/VICKIE FLORES

Perante um cenário novo na pandemia de covid-19, em que um aumento galopante do número de infecções parece não estar a confrontar os serviços de saúde com um cenário de colapso, o Governo britânico voltou a garantir, este sábado, que a imposição de um novo confinamento em Inglaterra é uma hipótese “de último recurso”, e afirmou que a população “deve tentar aprender a viver com a covid”.

Num artigo publicado este sábado, no jornal Daily Mail, o ministro da Saúde britânico, Sajid Javid, salientou os efeitos positivos do programa de vacinação, do reforço da distribuição de testes e do acesso “aos mais avançados tratamentos antivirais”, para afastar a hipótese de um reforço das medidas de restrição.

“A imposição de mais limites à nossa liberdade deve ser uma hipótese de último recurso, e o povo britânico espera que façamos tudo o que está ao nosso alcance para que isso não seja necessário”, disse Javid.

“Desde que cheguei a este cargo, há seis meses, tenho-me mantido alerta contra os enormes custos dos confinamentos para a saúde, para a sociedade e para a economia. Por isso, estou determinado a dar-nos a todos uma hipótese de aprendermos a viver com o vírus, e de evitarmos a aplicação de medidas restritivas no futuro.”

Novo recorde

Ao contrário das autoridades de Gales, da Irlanda do Norte e da Escócia, que apertaram as regras de combate à pandemia nos dias que antecederam a passagem de ano, o Governo britânico decidiu manter, em Inglaterra, as restrições que já estavam em vigor. E não impôs o cancelamento de comemorações com centenas ou milhares de pessoas, nem reduziu a lotação máxima em recintos fechados — uma decisão que tem merecido críticas no país, perante o aumento do número de casos nos últimos dias.

Este sábado, foram registados 162.572 novos casos nas últimas 24 horas, só em Inglaterra — um novo máximo desde o início da pandemia e o quinto aumento diário consecutivo. O número de mortes por covid-19, também em Inglaterra, desceu de 178 para 154 entre sexta-feira e sábado.

Na noite de sexta-feira e na madrugada de sábado, a entrada em 2022 foi comemorada por multidões nos centros das principais cidades inglesas, com muitos dos participantes — principalmente os mais jovens — a dizerem que se sentem confiantes por causa das vacinas.

“Não estou nada preocupada”, disse Sophie Kramer, de 24 anos, ao Guardian. Kramer, que viajou com o namorado, David Brown, de Bradford para Leeds, a 20 quilómetros de distância, disse que o facto de estarem ambos vacinados (e de ambos já terem sido infectados com o vírus SARS-CoV-2) facilitou a sua decisão.

“Eu sei que isto soa um pouco estúpido, porque estamos numa pandemia, mas a nossa saúde mental tem sido muito afectada no último ano. E isso também é importante, nem tudo se resume à covid”, disse Kramer.

Ao lado da jovem, Brown disse que a preocupação do casal foi maior no Natal, mas as recentes notícias sobre a aparente menor gravidade da variante Ómicron acabaram por ser decisivas: “Antes tínhamos um pouco mais de cuidado, mas parece que a variante Ómicron não é tão má [como a variante Delta], e por isso acho que vale a pena corrermos o risco.”

Pandemia “não acabou"

Ao mesmo tempo que afastou a imposição de novas restrições, o ministro da Saúde britânico salientou que a pandemia “está longe de ter terminado”, dando como exemplo os números do Instituto Nacional de Estatística do Reino Unido. Segundo as projecções, “uma em cada 25 pessoas em Inglaterra teriam acusado positivo num teste, na semana passada”, disse Javid. “E o número de hospitalizações também continua a subir”, sublinhou o ministro britânico.

“Apesar deste novo adversário” — continuou Javid, referindo-se à variante Ómicron —, “os passos que foram dados, especialmente a expansão do programa da terceira dose da vacina, significam que [o Reino Unido] está numa posição muito mais forte do que no final de 2020”.

E um estudo recente da Agência de Segurança de Saúde britânica, divulgado na sexta-feira, sugere que uma terceira dose das vacinas da AstraZeneca, da Pfizer ou da Moderna reduzem em 88% o risco de hospitalização com efeitos da variante Ómicron.

Janela fechada

Mas, se os próximos dias e semanas vierem a desmentir a relativa confiança do Governo britânico na resistência dos serviços de saúde, é provável que um novo reforço das restrições — incluindo um novo confinamento — já não seja suficiente para reverter as piores consequências.

“Os modelos feitos para o Governo pela Universidade de Warwick sugerem que um regresso ao confinamento, apenas com as escolas a funcionar, não teria praticamente nenhum impacto nas hospitalizações”, diz Nick Triggle, correspondente de Saúde da BBC.

Para o jornalista, o grande desafio que o Governo britânico poderá ter de enfrentar, dentro de semanas, é explicar que deixou fechar a janela de oportunidade para apertar as medidas de restrição, à semelhança do que fizeram as autoridades das outras nações do Reino Unido.

“Para que tivessem um impacto significativo, essas medidas teriam de ser aprovadas até ao Boxing Day [26 de Dezembro], ou mesmo uma semana antes disso”, disse Triggle no site da BBC. “Não existem soluções simples para esta onda da variante Ómicron — e as opções que o Governo tinha, podem já ter passado.”

Segundo os especialistas britânicos, estão em causa duas formas de olhar para os números.

Por um lado, é inegável que a actual onda de infecções não tem precedentes, e a menor agressividade da variante Ómicron não é razão para facilitar na tomada de decisões. Quanto mais pessoas forem infectadas no geral, maior será o número de hospitalizações com variantes agressivas da doença — e a redução de profissionais de saúde nos hospitais britânicos, durante a época de festas, levou a um atraso nas altas médicas de pacientes com outras doenças, o que dificultará a admissão de um grande número de doentes com covid.

Mas o estatístico David Spiegelhalter, professor na Universidade de Cambridge e conselheiro do Governo britânico, acredita que “a enorme onda de casos” prevista para Inglaterra, nos próximos dias e semanas, não vai ter como resultado o colapso total dos serviços de saúde — por causa da vacinação, e da menor gravidade dos sintomas da variante Ómicron.

“As coisas vão piorar, mas não vão ser comparáveis às ondas anteriores”, disse Spiegelhalter à BBC.

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