Assassinos de Khashoggi vivem em “alojamentos de sete estrelas” na cidade de Riad

Alguns dos condenados pela justiça saudita foram vistos num complexo governamental de luxo. Um dos mais próximos amigos de Mohammed bin Salman, acusado de ter orquestrado o crime, também já voltou à vida pública.

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Khashoggi foi assassinado no consultado saudita de Istambul a 2 de Outubro de 2018 HUSEYIN ALDEMIR/Reuters

Pelo menos três membros do grupo de segurança da Arábia Saudita condenados pelo brutal assassínio do jornalista dissidente Jamal Khashoggi, no consulado saudita de Istambul, vivem e trabalham “em alojamentos de sete estrelas” dentro de um complexo do Governo em Riad, escreve Martin Chulov no jornal The Guardian, citando um responsável ligado a membros dos serviços secretos sauditas.

Todos foram condenados num tribunal saudita, durante um julgamento que a ONU, organizações de direitos humanos e muitos países denunciaram como uma farsa destinada a calar as críticas internacionais ao regime – segundo um relatório da CIA, o assassínio de Khashoggi, que vivia nos Estados Unidos e escrevia no diário The Washington Post, foi autorizado pelo príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, e as autoridades turcas concluíram que o crime foi organizado e planeado ao mais alto nível.

O responsável ouvido por Chulov diz ter falado com duas testemunhas que viram os homens e garante que estes recebem frequentes visitas da família, podem usar o ginásio e os vários espaços das villas e edifícios do complexo, e ao longo de várias visitas pareciam estar relaxados ou ocupados com actividades normais de trabalho.

Os sauditas julgaram onze pessoas mas só divulgaram um dos nomes, Salah al-Tubaigy, o cientista forense que desmembrou o corpo de Khashoggi depois de morto. Tubaigy é um dos condenados vistos dentro do complexo: os outros dois são Mustafa al-Madadi, um duplo usado para fingir que Khashoggi tinha saído com vida do consulado e baralhar os investigadores turcos, e Mansour Abahussein, acusado de liderar a operação no terreno.

As testemunhas, que só falaram sob anonimato, dizem ter visto Tubaigy, Madadi e Abahussein no fim de 2019 e a meio de 2020. Madadi e Abahussein eram membros dos serviços secretos – o chefe de ambos, Abdul Aziz bin Mohammed al-Howairini, tem sido visto com alguns dos acusados e usa regularmente o ginásio do complexo de Riad.

A notícia surge depois do regresso à vida pública de um dos mais leais conselheiros de MBS (como é conhecido o príncipe e líder de facto da Arábia Saudita), Saud al-Qahtani, que tanto a CIA como o MI6 (os serviços secretos externos britânicos) acreditam ter sido o cérebro por trás do assassínio ordenado pelo príncipe. Ilibado de qualquer envolvimento pela justiça saudita, Qahtani começou a ser alvo de elogios publicados por membros da liderança do reino nas redes sociais e em Outubro voltou a ser visto no tribunal real, a partir de onde terá planeado o assassínio.

Durante a reestruturação dos serviços secretos e de Governo que se seguiu à morte do jornalista, assassinado a 2 de Outubro de 2018, Qahtani e o ex-director dos serviços secretos gerais, Ahmed al-Asiri, foram acusados pelos procuradores sauditas de orquestrarem o crime e de organizarem o “esquadrão” de 15 homens enviado a Istambul. O amigo próximo de MBS, que acompanhou o crime em directo, como mostram as escutas turcas, desapareceu em seguida e nada se soube dele até começar a ser descrito como patriota nas redes sociais de importantes sauditas.

Confusão de identidade?

Entre os julgados, três pessoas foram absolvidas, cinco condenadas à morte – e depois perdoadas pelos filhos de Khashoggi – e cinco condenados a penas de prisão. Riad tem sempre garantido que os responsáveis pela morte de Khashoggi enfrentam penas duras.

Estas revelações surgem poucas semanas depois da detenção, em França, de um homem inicialmente identificado como membro da equipa secundária que levou a cabo o assassínio: Khalid Aedh al-Otaibi, saudita de 33 anos, ex-membro da Guarda Real Saudita, faria parte do grupo que estava na residência do cônsul na altura da morte e que depois moveu os restos mortais do jornalista. A polícia francesa anunciou a sua detenção a 7 de Dezembro no aeroporto Charles de Gaulle, de Paris, com base num mandado de prisão internacional emitido pela Turquia, mas depois afirmou ter sido um caso de confusão de identidade – os sauditas asseguraram que o verdadeiro culpado foi condenado e cumpre pena na prisão.

Só que os investigadores turcos acreditam que os franceses prenderam o verdadeiro suspeito, já que a informação que França lhes começou por enviar coincide com a que eles passaram à Interpol, e o libertaram por razões políticas. A detenção aconteceu dias depois de o Presidente francês, Emmanuel Macron, ter viajado até à Arábia Saudita para se encontrar com MBS, tornando-se o primeiro dirigente ocidental a reunir-se com o príncipe depois da divulgação do relatório da CIA.

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