Mais tempo de ecrã associado a mais ansiedade e desatenção em crianças

Novo estudo canadiano encontra associação entre níveis mais elevados de utilização de ecrãs e o agravamento de problemas de saúde mental nas crianças. Mesmo que os ecrãs sejam utilizados na escola.

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Os investigadores reconhecem que o impacto negativo na saúde mental das crianças pode também estar associado a uma redução do exercício físico e actividades sociais ENRIC VIVES RUBIO

Desde o começo da pandemia da covid-19 que muitas crianças estão a passar mais horas a olhar para telemóveis, consolas e televisores. Uma investigação recente no Canadá encontrou uma associação entre níveis mais elevados de utilização de ecrãs — para estudar, jogar ou ver séries e filmes — e o agravamento de sintomas de saúde mental, irritabilidade, ansiedade e hiperactividade. As conclusões foram publicadas esta semana na revista académica Journal of the American Medical Association (JAMA).

O objectivo da equipa dO Sick Children, o hospital pediátrico da Universidade Avenue, em Ontário, no Canadá, era perceber o impacto das diferentes formas de utilizar ecrãs em crianças durante a pandemia. Os resultados surpreenderam a equipa. “Pensávamos que o tempo gasto em videochamadas estaria associado a menos sintomas negativos de saúde mental, mas percebemos que as videochamadas não conferem qualquer tipo de protecção”, partilha com o PÚBLICO Catherine Birken, uma das investigadoras envolvidas no estudo. “Não estávamos à espera da associação generalizada entre o aumento do tempo de ecrã e sintomas de ansiedade, depressão, desatenção e hiperactividade.”

Ao todo, a equipa acompanhou 2036 crianças entre os dois anos e os 18 anos entre Maio de 2020 e Abril de 2021. Os encarregados de educação dos participantes tinham de preencher inquéritos regulares sobre o comportamento das crianças e o tempo que passavam em frente a ecrãs para ver televisão, jogar videojogos, ter aulas online ou fazer videochamadas. Cerca de 53% (785) das crianças já estavam a ser acompanhadas devido a problemas de saúde mental. Quase 16% tinham perturbações do espectro do autismo (ASD).

Independentemente das condições prévias, as crianças mais novas (com cerca de seis anos) que passavam mais tempo em frente ao ecrã demonstravam mais sintomas de desatenção e hiperactividade. As crianças mais velhas que passavam mais tempo em frente a ecrãs demonstravam maiores níveis de ansiedade, irritabilidade e depressão e desatenção — mesmo que os ecrãs fossem utilizados na escola.

As crianças com perturbações do espectro do autismo não demonstram sintomas de depressão agravados após o aumento do uso de ecrãs. Os investigadores acreditam que isto pode estar relacionado com uma diminuição das exigências sociais “forçadas” durante a pandemia.

Os investigadores reconhecem, no entanto, que o impacto negativo na saúde mental das crianças pode também estar associado a uma redução do exercício físico e actividades sociais devido à pandemia. Soma-se uma maior exposição a notícias stressantes sobre a pandemia e bullying online.

É importante perceber se é possível combater os efeitos negativos. “Este estudo não examina o sucesso de intervenções para reduzir o tempo de ecrã”, esclarece a investigadora. Birken sugere que os encarregados de educação prioridade a períodos em que as crianças não devem usar ecrãs. Por exemplo, à hora das refeições.

As conclusões do estudo canadiano sobre o efeito negativo do uso de ecrãs durante a pandemia não são ímpares, embora poucos estudos se foquem em crianças. Uma revisão da literatura sobre o tema, publicada em Julho na revista académica Frontiers of Human Dynamics, com base em 36 artigos académicos (29 tinham passado pelo processo de peer review, revisão de pares) de dez países, nota que o uso prolongado de ecrãs está associado a efeitos negativos na saúde mental. “Embora a tecnologia digital proporcione vias de ligação social, o uso excessivo de dispositivos digitais pode ser prejudicial a longo prazo”, lê-se nas conclusões da revisão da literatura que alerta para a importância em perceber os hábitos digitais dos mais novos.

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