Jorge Jesus: as mesmas virtudes, os mesmos defeitos

O que aconteceu ao Benfica? Ou antes, o que aconteceu a Jorge Jesus? Umbilicalmente ligadas, as duas questões não são necessariamente uma só, porque a responsabilidade pelo êxito ou fracasso de um projecto desportivo está longe de se esgotar nas habilidades do treinador. No caso em apreço, porém, por artes de defeito e feitio, a tentação de fundir as duas realidades é provavelmente justificada.

Luís Filipe Vieira e Rui Costa sabiam bem ao que iam quando, em meados de 2020, decidiram resgatar o técnico campeão pelo Flamengo, conferindo-lhe uma aura messiânica. Sabiam que teriam de lhe dar carta branca (e ouvi-lo dizer que algumas das contratações não tinham merecido o seu aval), sabiam que iria insuflar o discurso público com alguma arrogância, sabiam que iria exibir os galões quando o chão tremesse, sabiam que ia procurar um bode expiatório assim o contexto o justificasse. Sabiam.

Jesus foi tudo isto e mais ainda. Não enganou nem surpreendeu ninguém. E a sensação que fica é que a direcção do Benfica estaria disposta a tolerar os desmandos que se revelassem necessários desde que compensados com títulos. Mas os meses foram passando e, entre a primeira vaga de covid-19 que assolou o plantel e a teimosa solidez no rendimento dos rivais directos, a margem de manobra foi-se dissipando à medida que se evaporava a tolerância dos adeptos.

Chegou 2021-22 e, com a nova época, aplicaram-se retoques cirúrgicos a um plantel de mais de 100 milhões de euros, com acréscimo de opções e qualidade em várias posições. Por esta altura, o 4x4x2 que tantos troféus valera a Jorge Jesus já se havia convertido em 3x4x3, para acautelar um trio de centrais com carimbo de titulares e, pelo caminho, minorar os desequilíbrios no meio-campo.

A abertura à mudança é um sinal de inteligência e o arranque da temporada foi promissor, mesmo sob os perigos que implica a gestão de recursos em abundância. De repente, um plantel que contava com cinco avançados usava apenas um de início (às vezes dois, com Darwin a ocupar o lado esquerdo); um jogador que havia arrasado no Brasileirão (Everton) era uma sombra de si mesmo; uma mão-cheia de internacionais só estava autorizada a sonhar com minutos de utilização na Taça da Liga.

Sem a estabilidade garantida pelo sucesso recente, o castelo de cartas começou a ruir na derrota com o Sporting (mais até do que nas goleadas sofridas ante o Bayern Munique) e caiu com estrondo após o desaire no Dragão. Já depois de terem vindo a público queixas de antigos jogadores sobre o estilo de liderança (autocrática?) do treinador e sobre a falta de empatia que gera com muitos elementos do plantel. Neste contexto, os episódios Flamengo e Pizzi limitaram-se a acrescentar camadas a uma justificação para o divórcio.

Do ponto de vista técnico e táctico, no que toca à metodologia do treino ou à preparação do plano estratégico, Jorge Jesus não é, hoje, um treinador menos competente ou capaz do que era quando somou títulos na Luz. Pelo contrário. Acumulou, entretanto, experiências e conhecimento que seguramente funcionarão como mais-valias. O que mudou de forma vincada foi a concorrência em Portugal, com treinadores que não só encurtaram diferenças, como foram capazes de fazer um upgrade no momento exacto. E que, isso sim, darão lições de liderança a Jorge Jesus.

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