Brasil: perspectivas iniciais da eleição de 2022

O fato definitivo – independentemente do desfecho eleitoral – é que seguiremos a conviver com a Política e com os políticos. Isso é a essência da democracia que, frisa-se, segue viva no Brasil, apesar de suas imperfeições.

O leitor estrangeiro deve ler notícias sobre o Brasil e não compreender praticamente nada. Sim, nosso país é um misto de desgoverno com desorganização institucional que, sabe-se lá como, consegue manter uma funcionalidade mínima, gerando ganhos para poucos e a tragédia para muitos. Na verdade, somos um grande barril de pólvora que, por detalhe, não estoura diariamente; de tempos em tempos, as ruas se inflamam, a desordem ganha corpo e a classe política – por temor das consequências – resolve aprovar algumas medidas legislativas de emergência até que a população se canse e tudo volte a ser como era antes: uma farsa política em favor do extrativismo impune dos poderosos.

Apesar dos dissabores, é preciso seguir em frente e, no apagar das luzes de 2021, alguns desafios importantes se avolumam no horizonte brasileiro: a deterioração das condições econômicas é uma realidade inconteste; a persistência ascendente da curva inflacionária forçará a elevação dos juros oficiais para estancar a sangria da alta de preços, reinaugurando a tradição do rentismo improdutivo; paralelamente, a situação fiscal do país começa a descarrilar, gerando uma série de manobras parlamentares para albergar a irresponsabilidade do gasto público desmedido; como cereja do bolo, ano que vem é eleitoral e, por certo, nossa ávida classe política abocanhará vultosos recursos pecuniários para alimentar sua fome egoísta por reeleição. Aliás, já estão falando por aí que o Congresso tentará manter o fundo partidário de R$5,7 bilhões... Sim, senhoras e senhores, não é fácil e pode ficar pior.

Felizmente, o futuro político brasileiro também sopra ventos promissores. Após tudo que já vimos e estamos vendo, a democracia em nosso país parece atingir sua maturidade. Objetivamente, a derrocada petista e o carnaval da corrupção desbragada recompuseram, sem máscaras, o equilíbrio pragmático no jogo do poder. Até chegarem ao Planalto, o PT e seus asseclas se afirmavam como a última bolacha do moralismo político; aberto o pacote, os biscoitos estavam mofados e a ética vencida. Ou será vendida? No benefício da dúvida, hoje sabemos com clareza que político é político, que tem gente boa, que tem gente ruim, que há pessoas dignas, modelares e decentes e, também, os mequetrefes, os safados e mercenários. Enfim, a vida como ela é, entre virtudes e vícios pulsantes.

Chegamos, então, a Jair Messias Bolsonaro que se apresentou como mito para se alistar eleitoralmente com o PL de Valdemar da Costa Neto. Se vocês, caros leitores, pesquisarem a palavra “mensalão” encontrarão algumas manchetes inconvenientes. Mas, vamos lá, Bolsonaro teve o mérito inegável de correr na cancha reta e vencer o PT, coisa que tucanos graúdos tentaram, tentaram, tentaram e nada. Depois da era FHC, o PSDB, em páreos presidenciais, jogou como nunca para perder como sempre. Será que João Dória conseguirá reverter esse quadro? Nas entrelinhas da interrogação, importante registrar que o pleito de 2018 foi totalmente atípico: a estafa com classe política tradicional abriu o flanco para uma exitosa candidatura retoricamente – e só retórica – antissistema.

No amanhecer do pleito de 2022, a pergunta do momento é a seguinte: terá Sergio Fernando Moro capacidade de se apresentar como o candidato da mudança? Quem disser que sabe a resposta, está mentido; o panorama é ainda muito superficial, não permitindo análises conclusivas. É claro que o ex-Ministro da Justiça possui recall nacional por sua impressionante ação como juiz da Operação Lava-Jato, tendo forte apelo na questão da moralidade pública. Todavia, a forma tumultuada como deixou o governo revelou que a frieza do magistrado não encontrou eco no fígado do homem político. O evento naturalmente lhe deve ter gerado reflexões e aprimoramentos, sendo a habilidade de gerir situações difíceis – sem se corromper – característica fundamental de sobrevivência em Brasília. Na expressão clássica de João Mangabeira, a lógica do magistrado deve encontrar o “descortino do político”.

O fato definitivo – independentemente do desfecho eleitoral – é que seguiremos a conviver com a Política e com os políticos. Isso é a essência da democracia que, frisa-se, segue viva no Brasil, apesar de suas imperfeições. Em tempo, só será menos imperfeita a partir da atuação firme e decidida do civismo ativo – de todos e cada um de nós – em favor de um país mais honesto, sério, comprometido com a livre iniciativa, com a liberdade de empreender e gerar empregos às pessoas, consciente do papel do Estado no combate à pobreza e à miséria extrema, capaz de refundar as bases do ensino e habilitar nossas crianças às lógicas da tecnologia e do futuro, com empresas aderentes aos princípios da boa cidadania corporativa, tendo na lei o referencial necessário para uma sociedade justa, fraterna, solidária e que, jamais, abdique do crescimento econômico com seus inerentes ganhos sociais.

Numa sentença, a democracia é algo muito valioso para depender exclusivamente da classe política. O verdadeiro ideal democrático reside na força individual do cidadão que, movido por sentimentos que nos fazem humanos, é capaz de construir relações virtuosas que, unidas e somadas, ganham ressonância na vida vivida, tornando-se aptas a transformar realidades que pareciam imodificáveis. Ou seja, além de votar, é preciso ser diariamente cidadão. Participar, criticar, fazer acontecer. Democracia é ação concreta, consciente e responsável. Afinal, os políticos sempre estarão lá. Mas onde estamos nós?

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