Subida dos juros em 2022 é “muito improvável”, mas não impossível

Ao mesmo tempo que passou a prever uma taxa de inflação mais alta nos próximos anos, o BCE anunciou que o ritmo a que está a comprar dívida pública nos mercados irá abrandar, um primeiro passo na viragem da política monetária na zona euro.

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A mudança de ambiente na condução da política monetária na zona euro está agora confirmada. Depois de, em comunicado, o Banco Central Europeu (BCE) ter anunciado um abrandamento do ritmo de compras de dívida já em Janeiro e de, depois, ter revisto em alta as suas previsões para a inflação no próximo ano, a sua presidente, Christine Lagarde, admitiu que, embora “muito improvável”, uma subida das taxas de juro já no próximo ano não pode ser totalmente descartada.

A reunião do conselho de governadores do BCE desta quinta-feira era aguardada com elevada expectativa, uma vez que era o momento definido pela própria instituição para moldar com mais pormenores os seus planos de retirada progressiva dos estímulos monetárias na zona euro. E, além disso, a reunião decorreu um dia depois de a Fed ter sinalizado a possibilidade de realizar já em 2022 três subidas de taxas de juro e ao mesmo tempo que em Londres o Banco de Inglaterra anunciava uma subida da sua taxa de juro de referência em 0,25 pontos percentuais.

Embora também pressionado para dar uma resposta à subida da taxa de inflação até aos 4,9% em Novembro, o BCE optou por uma mudança de rumo menos drástica, apesar de os governadores também terem dado sinais de que estão agora mais preocupados com a persistência da subida de preços a que se assiste desde o início deste ano.

No comunicado que se seguiu à reunião, o BCE anunciou que, logo no primeiro trimestre do próximo ano, irá executar o seu programa de emergência ligado à pandemia de compras de activos “a um ritmo mais baixo do que no trimestre anterior”. Actualmente, o BCE compra cerca de 80 mil milhões de euros de activos (principalmente dívida pública) ao mês no âmbito deste programa.

Já estava definido que estas compras de dívida, as mais volumosas de sempre, iriam ficar concluídas em Março de 2022, e esse prazo mantém-se, mas o abrandamento agora decidido nos três meses finais do programa é já uma resposta do BCE à subida, acima do esperado, da taxa de inflação na zona euro.

Depois, no decorrer da conferência de imprensa, a presidente do BCE revelou que foram revistas em alta, de forma significativa, as previsões da instituição para a inflação na zona euro. Para este ano, prevê-se agora uma taxa de inflação média de 2,6%, quando em Setembro se previa 2,2%. Em 2022, a inflação não irá descer rapidamente, como antes esperado pelo banco central, e ficará em média em 3,2%, em vez de 1,7%. Para 2023 e 2024, a taxa de inflação projectada é agora de 1,8%, perto do objectivo de 2% e acima da previsão de 1,5% para 2023 que tinha sido feita em Setembro.

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Por fim, Christine Lagarde foi muito menos peremptória do que vinha sendo em relação à manutenção durante um largo período de tempo das taxas de juro de referência do BCE nos actuais níveis mínimos históricos. Embora salientando que uma subida de taxas já em 2022 é “muito improvável”, a verdade é que a porta não foi fechada a esse cenário.

“Nas actuais circunstâncias, como já tinha dito anteriormente, é muito improvável que venhamos a subir as taxas de juro em 2022, isso mantém-se. Mas temos de estar muito atentos àquilo que os dados nos dizem. E nós vamos fazer isso em cada uma das reuniões de política monetária que tivermos e ainda mais quando tivermos novas projecções”, afirmou Lagarde, quando questionada sobre que garantias é que poderia dar de que as taxas de juro não vão começar também a subir na zona euro no próximo ano, à semelhança do que parece inevitável nos EUA.

A referência ao elevado nível de incerteza em torno da evolução da economia e da inflação foi uma constante na conferência de imprensa, com Christine Lagarde a defender que, por isso, o BCE vai ter de manter um elevado nível de flexibilidade na condução da política monetária. “Dada a incerteza, quisemos ter a maior flexibilidade possível. Vamos reavaliar a situação e vamos ajustar-nos em qualquer direcção, de acordo com os dados”, afirmou. E esclareceu, em relação à inflação: “[A zona euro] está mesmo a caminhar para o objectivo, mas tendo em conta que ele é de 2%, ainda não estamos lá.”

Numa tentativa de afastar os receios de uma retirada de estímulos demasiado rápida, a entidade liderada por Christine Lagarde fez questão de assegurar que a presença do banco central no mercado de dívida pública da zona euro se irá manter durante ainda bastante tempo. Em compensação para o abrandamento das compras dos próximos meses, o BCE prolongou até ao final de 2024 o período durante o qual irá reinvestir os títulos de dívida comprados através do programa de emergência pandémica – isto é, sempre que um título de dívida pública (por exemplo, portuguesa) detida pelo BCE atingir a sua maturidade, o banco central volta a comprar o mesmo montante de dívida do mesmo país.

Além disso, o BCE anunciou que no caso do programa normal de compra de activos (que já estava em vigor antes da pandemia), cujas compras mensais são actualmente de 20 mil milhões de euros, se irá processar um aumento para 40 mil milhões de euros ao mês no segundo trimestre de 2022, passando depois para 30 mil milhões no terceiro trimestre e regressando a 20 mil milhões a seguir.

O BCE diz que estas aquisições irão durar até que esteja garantido que a inflação atinge a sua meta de 2% no médio prazo e que terminarão “imediatamente antes de o BCE começar a subir as suas taxas de juro de referência”.

Na conferência de imprensa, Christine Lagarde revelou que “o pacote de medidas agora anunciado foi apoiado por uma grande maioria dos membros do conselho”, embora “alguns desses membros tenham discordado de determinados elementos”.

Nos EUA, onde a taxa de inflação atingiu em Novembro os 6,8%, o valor mais alto desde 1982, assistiu-se a esta quarta-feira a uma reversão mais brusca do rumo da política monetária. A Reserva Federal norte-americana (Fed) operou mudanças significativas na sua política monetária, anunciando uma aceleração do ritmo a que irá diminuir o volume de compras de activos e agendando, para meados do próximo ano, as primeiras subidas nas taxas de juro.

A Fed decidiu que os cortes nas compras mensais passarão a ser agora de 30 mil milhões de dólares a cada mês (actualmente são 15 mil milhões de euros), o que significa que, no final de Março, o programa de compras poderá ser dado como concluído.

Além disso, os membros do comité de política monetária da Fed prevêem agora que sejam realizadas logo três subidas de taxas de juro durante o próximo ano, com mais três subidas esperadas em 2023 e mais duas em 2024. O presidente da Reserva Federal, Jerome Powell, ao ser questionado sobre quando é que se poderia esperar a primeira subida de taxas de juro, disse não prever “uma espera muito longa” entre o fim do programa de compras de dívidas e a primeira subida de taxas de juro nos EUA.

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