Combate à corrupção sem meios suficientes está votado ao fracasso, avisa Lucília Gago

No primeiro semestre de 2021 foram abertos no Ministério Público 2004 inquéritos por corrupção e crimes conexos.

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A magistrada falava num colóquio que está a decorrer na sede da Polícia Judiciária Paulo Pimenta

A procuradora-geral da República, Lucília Gago, avisou esta quinta-feira que um combate à corrupção sem meios suficientes está votado ao fracasso.

A magistrada falava num colóquio que está a decorrer na sede da Polícia Judiciária, em Lisboa, para assinalar o dia internacional dedicado a este fenómeno. “Não basta a existência de um quadro normativo nacional que acolha a generalidade das normas” internacionais sobre o tema, assinalou. “Apenas com um Ministério Público e com órgãos de polícia criminal dotados dos necessários meios humanos e técnicos será possível combater a corrupção com efectividade”, sublinhou Lucília Gago. “Sem os meios e instrumentos necessários e adequados, especialmente na investigação criminal, não será possível garantir a almejada eficácia na prevenção e repressão dos fenómenos corruptivos”, insistiu. “O Estado e a sociedade exigem do Ministério Público e também dos órgãos de polícia criminal uma intervenção robusta, activa, célere e especializada para a qual não bastam leis teoricamente eficazes, sendo necessários recursos suficientes e adequados à eficácia investigatória”. 

Lucília Gago disse ser “profundamente falacioso” considerar-se que os meios ou recursos ao dispor do Ministério Público e dos órgãos de polícia criminal podem ser aferidos por referência a uma mera análise estatística dos inquéritos pendentes num determinado momento. Afinal, exemplificou, um único processo pode ter dezenas de suspeitos, que por sua vez praticaram dezenas de crimes. “Os dados estatísticos do número de inquéritos entrados por crimes de corrupção e crimes conexos não revelam a concreta dimensão da complexidade e tecnicidade das investigações que lhe correspondem”, referiu a procuradora-geral da República. 

Ainda assim, deixou alguns números. Nos primeiros seis meses de 2021 iniciaram-se 2004 inquéritos por corrupção e crimes conexos, designadamente abuso de poder, administração danosa no sector público, branqueamento de capitais, participação económica em negócio, peculato, prevaricação, recebimento indevido de vantagem e tráfico de influência.

Mas a ministra da Justiça e agora também da Administração Interna, Francisca van Dunem, faz uma contabilidade diferente. Mostrando-se particularmente crítica dos megaprocessos, a governante - que falou a seguir a Lucília Gago - defendeu que talvez fosse útil fazer as contas aos montantes gastos em investigações que depois, em tribunal, acabam por vezes por resultar em absolvições. “É um erro que estamos a pagar caro”, observou, explicando que não tem de ser assim. E deu como exemplo positvo a investigação feita ao Banco Privado Português, “onde houve a preocupação de separar processos”. 

“Há um momento em que a separação pode gerar problemas de compreensão do fenómeno na sua globalidade, mas temos de ter o máximo rigor. A extensão do processo e da investigação e a forma como é feita - quase arqueológica e, por vezes, excessiva - conduzem, na prática, à falência de resultados. Não tenhamos ilusões: essa é a percepção pública que existe hoje a respeito da resposta judiciária. E essa percepção é profundamente injusta”, lamentou.

Além dos recursos, que reconheceu não serem os ideais, o sucesso das investigações criminais depende também da utilização de métodos adequados. “E num ambiente de meios escassos, o rigor dos métodos, o uso parcimonioso das disponibilidades e a concentração em objectivos pode ser a linha que separa a vontade de agir que produz resultados no combate ao crime da acção estéril, feita de impulsos, geradora do inêxito”, acrescentou Francisca van Dunem, recordando ainda o investimento que o Governo fez nos últimos quatro anos em meios humanos, técnicos e nos equipamentos da Polícia Judiciária. 

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