“É possível” o PSD ganhar as legislativas: “Já se viram mudanças mais extraordinárias”

João Cotrim de Figueiredo admite abandonar a liderança da Iniciativa Liberal, se não conseguir mais que dois deputados e elege a política fiscal e a saúde como bases de acordo com o PSD.

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João Cotrim de Figueiredo será reeleito presidente da Iniciativa Liberal na convenção deste fim-de-semana. Quer passar de deputado único para uma bancada do tamanho da que o CDS tem nesta legislatura - mas diz que não vai pedir "endorsements" aos centristas desiludidos. Nuno Ferreira Santos

Em vésperas da convenção nacional do partido, em que defenderá a moção de estratégia global Preparados para Liberalizar Portugal e será reeleito, em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença o presidente da IL afirma-se disponível para negociar com Rui Rio, se este ganhar sem maioria absoluta, um caderno de encargos e até participar no governo. Na AR, vai propor a revisão do sistema eleitoral, com círculos uninominais e um nacional, e insistir na eutanásia, se outro partido der o primeiro passo.

Parte para as legislativas com o objectivo de ter 4,5% dos votos e eleger deputados nos distritos de Lisboa, Porto e com possibilidades em Braga, Setúbal e Aveiro. Se este objectivo não for atingido, o que acontece à IL?
Para um partido novo que concorre às segundas legislativas em dois anos, não é muito fácil fazer extrapolações: optámos por fazer cenários e o central é de 4,5% e cinco deputados. Tudo acima disso será um excelente resultado.

Teremos um conselho nacional a seguir às eleições para o rescaldo dos resultados e do trabalho de campanha. Nessa altura, em funções dos resultados, apresentarei a minha análise. Uma coisa é sempre verdade na IL, enquanto eu lá estiver: as pessoas responsabilizam-se pelos bons e maus resultados que obtêm.

Isso quer dizer que a liderança pode ficar em causa?
Se tiver um péssimo resultado, com certeza.

O que é um péssimo resultado?
Isso não sei dizer agora. Se mantiver um deputado, ou só tiver dois, é um péssimo resultado. Mas depende de quão perto ficarmos dos outros deputados, do que se tenha passado na campanha, do comportamento dos outros partidos. Portanto, assumo as responsabilidades, mas não me vou pôr num beco em que tenha de assumir coisas que não sei como terei de interpretar na altura.

Isso significa que deixaria o seu lugar de deputado?
Se deixasse a liderança do partido, deixaria o lugar de deputado, evidentemente.

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Os 4,5% não são demasiado ambiciosos, quando em 2019 teve 1,3%?
Concordo com o ambicioso, não concordo com o demasiado. Fixar objectivos que não sejam ambiciosos não seria útil. Acho que é possível.

Em Lisboa apresenta-se como cabeça de lista. Mayan Gonçalves é possível pelo Porto, aproveitando o élan das presidenciais?
Não vou falar de nomes antes da convenção, porque ela vai também servir para isso. Vamos discutir ideologia, princípios programáticos, moções muitíssimo políticas e vai ser interessante para eu perceber exactamente como construir uma lista de deputados que simultaneamente sirvam para representar bem os ideais liberais no Parlamento e serem bons candidatos do ponto de vista da atracção eleitoral.

Mas já tem cabeças de lista.
Já. Cabeças, números 2, 3, 4 ou 5, mas não são finais.

O PSD recusou uma coligação pré-eleitoral com o CDS. Ter os dois partidos em separado é o cenário mais favorável à IL?
No curto prazo, não ter uma coligação que pudesse agrupar o voto não socialista é possivelmente uma vantagem; a longo prazo não tenho tanta certeza.

Facilitaria a aproximação da IL ao PSD no pós-eleições?
Para nós é relativamente indiferente. A proposta política que temos é, de facto, bastante diferenciadora da do CDS e também, em boa medida, do PSD.

Chegou a dizer que Adolfo Mesquita Nunes seria uma mais-valia para a IL. Foram feitos contactos com os desiludidos do CDS?
Pessoas com capacidade política, intelectual e com espinha dorsal não vão passar de um partido para outro em dois meses. Ao ocorrerem dois anos mais cedo, estas legislativas não permitiram fazer algum trabalho político de atracção de pessoas que podiam estar na nossa órbita noutro timing. Não vou pedir, não vou caçar eleitores a outros partidos, nem vou pedir que façam endorsements públicos.

Na moção admite dificuldades em eleger em círculos mais pequenos e médios. Isso poderia resolver-se com a revisão do sistema eleitoral e a criação de círculos uninominais e o círculo de compensação? Vai apresentar alguma proposta?
Vamos. Fará parte do nosso programa uma revisão do sistema eleitoral com círculos uninominais e um círculo nacional de compensação. Não é uma questão de ser mais fácil eleger. O número de votos que é necessário para eleger um segundo deputado em Portalegre –​ o distrito com menos mandatos atribuídos — é enorme e isso cria um problema de representação do distrito, mas também cria um problema de dificuldade aos partidos mais pequenos e novos de fazerem esse caminho.

O grande objectivo da revisão do sistema eleitoral é fazer com que as pessoas tenham a tal ligação mais estreita com os cabeças de lista que elegem e que os 500 mil votos que todas as legislativas não contam para a eleição de ninguém passem a contar num círculo de compensação nacional.

E sobre a redução de deputados?
Pessoalmente não sinto isso como uma enorme vantagem e tendo lá estado dois anos não acho que a visão popular depreciativa de que os deputados não fazem nada seja verdade.

Acredita este novo PSD de Rio é capaz de ter maioria relativa e ganhar as eleições?
Nesta altura as sondagens não indicam essa probabilidade, mas que é possível é. Já se viram mudanças de ambiente político mais extraordinárias do que essa. Depende sobretudo da qualidade da campanha que cada partido fizer; até os que estão à esquerda se podem defender daquilo que são as feridas profundas deixadas pelo fim da “geringonça”. Também exige que o PS faça uma boa campanha: não tendo maioria absoluta, António Costa muito dificilmente será a pessoa indicada para voltar a fazer pontes à esquerda. É verdade que já lançou umas escadas para fazer pontes à direita. Veremos se é de tacticismo puro para campanha, ou se é uma posição política para levar a sério.

Respondendo directamente à pergunta: acho possível? Acho. Neste momento os indicadores indicam que não é provável, mas é para isso que servem as campanhas: para mostrar às pessoas as opções que têm.

E acrescento algo que me parece importante: nós não escondemos ao que vimos, as nossas propostas, os nossos objectivos e a estratégia de aliança estão claros. As pessoas sabem exactamente o que estão a fazer quando votam em nós e é desejável que seja assim com todos os partidos.

No fim do dia, em função das maiorias do espectro partidário que se gerem, os partidos têm a obrigação de terem a maturidade de saberem sentar-se, passarem por cima das divergências que têm, focarem-se nas convergências e saberem chegar a acordos.

Está a falar da possibilidade de um bloco central?
Não estou a falar de bloco central nenhum. A maturidade que é demonstrada por partidos que são capazes de se sentar à mesa e chegar a acordo em Portugal vai ter de ser a regra e não a excepção. Senão temos esta espécie de mania de cada vez que há uma eleição mais incerta aparece de imediato o bloco central como única maneira de haver governabilidade. Não é – não só há várias maneiras de atingir a governabilidade, como a estabilidade per se não é um bem.

Gostávamos que as pessoas soubessem se quando estão a votar no PS estão a votar numa geringonça 3.0 ou no bloco central, era útil, muito importante até.

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Quando fala de entendimentos e diálogo, refere-se a quê concretamente?
O tipo de exigências ou pontes negociais que traríamos para o cenário que, não sendo provável, é possível, mas, admitindo que se verifica, vai depender da força eleitoral que nos derem. É diferente chegarmos com 7% ou 4% e, chegando com esses pontos, depende do sucesso dessa negociação. Se tivéssemos três ou quatro medidas estruturalmente liberais...

Por exemplo?
O choque fiscal, com o caminho claro para uma simplificação e desagravamento fiscal a nível do IRS e IRC.

A que o PSD não se opõe...
Lá está, para princípio de conversa pelo menos não parece complexo. Ou passos decisivos no sentido da reforma do SNS para introduzir liberdade de escolha dos utentes e a noção do Estado financiador e não do Estado prestador. Sendo capazes de introduzir coisas estruturalmente liberais num programa, encaramos até a possibilidade de integrar o governo. Não o conseguindo, tendo menos força e havendo aritmética para isso, viabilizaremos, com um acordo escrito, sempre, como fizemos nos Açores. Temos dez pontos com o governo do PSD e, enquanto estiverem a ser cumpridos, viabilizaremos o governo. Este ano já houve algumas dificuldades em que as coisas fossem cumpridas exactamente. Chegou-se a bom porto, continuamos a apoiar o governo, mas sempre numa lógica de exigência: está escrito, o que se combina com a IL nós cumprimos e esperamos que os outros cumpram também.

Em que áreas a IL poderia dar um melhor contributo em ministérios?
Da IL não vai ouvir nunca pôr cargos e pessoas à frente de políticas. Estamos tão longe dessas conversas... custa-me sempre começar este tipo de coisas com o “quem é que vai ser”. É verdadeiramente secundário.

Já exerceu funções na área do turismo. Seria uma área em que gostasse de exercer?
Já exerci muitas funções e não só nunca pensei ser presidente de um partido, como nunca pensei ser ministro. Portanto, significa o que significa. A IL é um conjunto de pessoas com muito pouca dependência da política para não dizer nenhuma; fazem isto por convicção, mas não têm uma concepção de carreirismo político.

Na moção separa as águas entre a IL e as forças ditas “iliberais” e “populistas”. Se for preciso, num cenário hipotético, um único deputado do Chega para dar a maioria absoluta ao PSD, a IL prefere entregar a governação à esquerda ou a um bloco central?
Quem está a preferir entregar seja o que for ao PS é quem, fora de um acordo governamental, decidir não viabilizar a solução não socialista – ou seja, quem tem um dilema estratégico é o Chega. Eu divirto-me com os malabarismos do Chega a tentar fazer o bluff de que não viabilizará.

Quero ver, no dia em que estiver perante o dilema de viabilizar ou não um governo alternativo ao PS, o que vai fazer. Se por acaso não viabilizar e este bluff for para levar a sério, assumirá as responsabilidades: eles é que estarão a pôr o PS no poder. Ou seja: há um acordo de governação não socialista, faltam os votos de outros partidos e esses não viabilizam – então a responsabilidade é deles; eles é que estão a pôr o PS no poder.

E, no seu caso, nesse acordo escrito iria impor que o Chega dele não fizesse parte?
Iria impor sobretudo que o programa do governo não tivesse nada que ferisse os princípios liberais.

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Então admite estar num governo com o Chega.
Nós tivemos uma solução nos Açores sem qualquer contacto com o Chega e o programa do governo não contém nada que nos desagrade. Há temas sobre a moralização com o gabinete para a corrupção, um maior cuidado com o sector empresarial regional e o tema do abuso dos subsídios.

São propostas inofensivas?
Sim. Pode-se gostar mais ou menos da formulação, mas nenhuma delas ofende civilizacionalmente ou ideologicamente. Algumas podiam lá estar como exigência nossa. Não é só uma visão iliberal da sociedade e os tiques autoritários que nos chocam profundamente [no Chega]. É mesmo na economia, em que muita gente diz que o Chega tem um programa económico liberal: é até começarem a ver as propostas que aparecem no OE de aumento de despesa. O Chega não se opôs à intervenção do Estado na TAP.

Tem insistido no fim dos escalões do IRS e na redução do IRC. Qual é a estimativa de redução da receita fiscal que implicaria?
Há um efeito da redução de receita fiscal directa e depois temos de subtrair o efeito induzido do crescimento que ajuda a receita fiscal. O nosso objectivo é passar da carga fiscal recorde de 35% para mais perto de 28%. Isso consegue-se com um misto de crescimento económico que dilui o peso da carga fiscal e de redução efectiva de impostos em partes iguais. Significaria uma perda de receita de 6 a 7 mil milhões de euros.

E onde iria buscar essa receita?
Espero que façam a mesma pergunta sempre que alguém vier falar de aumento de despesa e que impostos é que vão aumentar. Há 4 mil milhões que vão ser gastos na TAP, temos crescimento económico que iria produzir receita fiscal, há uma reforma do Estado para fazer, e haveria gradualidade nesta evolução, ou seja, não se vai fechar a torneira a determinados impostos de um ano para o outro. Portanto, é perfeitamente financiável sem perda de qualidade na prestação de serviços públicos, porque o que estamos a querer fazer no sector da saúde, educação e Segurança Social podia conduzir a melhor qualidade de serviços públicos, menos filas de espera na saúde, melhores resultados de valor social na educação, melhor sustentabilidade da Segurança Social e tudo isso com menos encargos para o Estado.

Vai incluir a eutanásia no programa eleitoral?
Está no nosso programa político, mas não vai constar do programa eleitoral como prioridade política. É uma matéria de costumes, de importância suficiente no ideário liberal para irmos sempre a jogo. Não estamos de acordo com algumas das razões jurídicas do Presidente da República no veto, mas sobre a redacção sim: há ali termos que podiam ter sido melhorados, porque podem ser dúbios. Respeitamos a mensagem que enviou ao Parlamento e na próxima legislatura, se for o caso, lá estaremos.

Como avalia este segundo mandato do Presidente? A direita acusou-o de fazer favores à esquerda. A dissolução da AR foi um favor?
Não creio, mas um ano talvez não seja suficiente para confirmar a teoria política de que o segundo mandato é normalmente menos simpático para os governos que estão em funções.​
Este primeiro ano e o último do primeiro mandato foram vividos em tempos particularmente difíceis. Houve demasiadas vezes uma consonância de posições que não foi favorável à existência de debate saudável, nomeadamente sobre a extensão do estado de emergência e as disposições que constavam repetidamente, muitas delas nunca usadas, mas que eram altamente lesivas das liberdades individuais, razão pela qual votámos quase sempre contra, com excepção do primeiro.

Ainda não sei se o Presidente está de facto a fazer aquilo que se possa chamar “demarcação”. Esta dissolução, olhando para os últimos dois meses, demonstra que aquela capacidade de leitura política do Presidente da República dos seus tempos de analista político se mantém intacta. Viu, provavelmente antes de outros, a possibilidade de o PCP e provavelmente do Bloco sentirem que esta ligação e apoio aos governos do PS os estava a prejudicar eleitoralmente e, portanto, provavelmente sentiu antes de todos que não era óbvio que este OE2022 viesse a passar.

E por isso resolveu fazer o que alguns dizem que foi um erro e eu acho que foi de uma clareza. Disse: “Se não houver OE, eu não pedirei um segundo orçamento, não manterei o Governo em funções e convocarei eleições antecipadas.” A partir do momento em que o disse, obviamente estava já comprometido com essa posição. Não acho que seja um erro, nem acho que manifeste um afastamento em relação a este Governo.

E que balanço faz do seu mandato parlamentar? Marcou a discussão com a carta dos direitos digitais, conseguiu dar a volta ao cartão do adepto. Afinal um só deputado consegue marcar pontos falando só um minuto – o tal minuto liberal?
O minuto liberal ficou como marca registada. Acho que é mais ou menos consensual que haveria temas que não estariam na agenda política, se não tivéssemos conseguido fazer parte da agenda parlamentar. Dos dois agendamentos potestativos escolhemos a carta dos direitos digitais e o cartão do adepto, que podem parecer diferentes, mas que dizem respeito a liberdades fundamentais das pessoas, das activas no espaço digital e de quem gosta de desfrutar do espectáculo desportivo.

Com naturalidade se limitam liberdades individuais e ninguém protesta demasiado. Ninguém acha estranho, aceitam-se as justificações de que é para teu bem, para tua segurança. A IL pode servir para acordar essa consciência – a liberdade não está garantida, tem de se lutar por ela todos os dias.

Na moção não estão as prioridades legislativas da IL. Qual o primeiro tema em que vai apostar?
Uma moção é um mandato que pedimos aos membros do partido, é um documento interno. Na semana a seguir à convenção aprovaremos o programa eleitoral, com um conjunto de medidas e delas elegeremos bandeiras. Serão talvez cem medidas muito bem explicadas, com perguntas frequentes, com prós e contras, justificações e enquadramento e depois do arranque do novo Parlamento faremos jornadas parlamentares para definir prioridades. Escolher uma bandeira forte em cada tema para a campanha eleitoral e no pressuposto de que serão as coisas em que vamos insistir na agenda parlamentar e na tal improvável, mas possível, mesa de negociações com os partidos.

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