Gestão da água em Portugal tem de mudar “antes que caia a última gota”

Estudo encomendado à Agência Portuguesa do Ambiente apresenta cenários preocupantes sobre o futuro dos recursos hídricos em Portugal e um diagnóstico inédito deste sector.

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Portas de Rodão, no rio Tejo Nicolau Botequilha

O ministro do Ambiente defendeu esta terça-feira que Portugal tem de mudar de forma radical e rápida a forma de gerir os recursos hídricos, adiantando que o país tem agora a principal ferramenta para a difícil tarefa. João Pedro Matos Fernandes referia-se ao “estudo de disponibilidades hídricas actuais e futuras” que será apresentado ao final da tarde numa sessão organizada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Adiantando que, para si, a melhor surpresa nos resultados deste trabalho foi a situação apresentada para o Tejo e a pior para a zona do Vouga, o ministro assegurou que este trabalho deve “marcar o antes e depois” no capítulo da água em território nacional.

João Pedro Matos Fernandes começou por lembrar que ideia de se fazer este estudo que, pela primeira vez, coloca uma série de dados concretos e números em cima da mesa, foi dele. “A ideia foi minha. Com a informação dos planos das bacias sempre senti que faltava alguma coisa”, disse. O trabalho foi realizado por Rodrigo Proença de Oliveira, especialista na empresa de consultoria na área do ambiente BlueFocus e investigador no Instituto Superior Técnico, da Universidade de Lisboa, na secção de Hidráulica e Recursos Hídricos e Ambientais. Os detalhes sobre a actual situação e os melhores e piores cenários para o futuro só serão divulgados publicamente ao final da tarde, mas Matos Fernandes foi dando algumas pistas.

O diagnóstico é preocupante, confirmou. “Mas não vale a pena estar com cataclismos. Não podemos continuar com a indulgência, acabaram-se as desculpas”, disse, comparando a importância e relevância deste estudo com a do Roteiro para a Neutralidade Carbónica. Porém, disse, há diferenças. No caso do roteiro, há o limite definido de um aumento da temperatura média que não pode exceder 1,5 graus Celsius, que ajuda a traçar objectivos. “Neste caso, temos de encontrar os limites bacia a bacia. Os planos das bacias vão ter de ser capazes de decantar os dados neste estudo. Temos de ser mais rigorosos, não chega olhar para as médias”, avisou.

O ministro afirmou que quis saber mais e melhor com este estudo encomendado à APA e agora é a altura de fazer mais e melhor. “Mais do que ficar preocupados, a palavra a usar é eficiência. A pergunta essencial é ‘como podemos fazer melhor com a água que temos?’ Temos de ter melhor capacidade de gestão, ser mais inteligentes.” Assinalando que os planos de eficiência hídrica para o Algarve e para o Alentejo avançaram “mesmo a tempo”, Matos Fernandes avisou: “Não basta ficar aí, temos de ir país fora para sermos mais eficientes.”

Na sua intervenção, o ministro foi dando algumas pistas sobre o relatório. “Os números do Tejo são melhores do que estava à espera”, disse, sublinhando que, no entanto, falta saber “o peso do Zêzere” nesta boa notícia. Partindo do princípio de que “há quatro bacias que não são prioritárias: Minho, Lima, Douro e Mondego”, Matos Fernandes apontou que os casos mais preocupantes estarão na zona do Ave, Leça e Vouga, mostrando-se mais inquieto com esta última. “O Vouga foi a minha surpresa do lado da preocupação”, confirmou.

Reforçando a mensagem de que é tempo de agir “sem ficar tolhidos pelo susto”, o ministro lembrou que o próximo quadro comunitário vem com a promessa de um investimento de 300 milhões de euros (sem contar com 140 milhões dedicados exclusivamente ao litoral) para reforçar as medidas na gestão dos recursos hídricos no país. “Temos esta ferramenta na mão. Com isto temos o nosso trabalho feito”, conclui, chamando a responsabilidade “de quem usa a água” para aprender a viver com estes números.

Antes do ministro, o vice-presidente da APA, José Pimenta Machado, também já tinha alertado para a importância do “estudo de disponibilidades hídricas actuais e futuras”. “É aqui que vamos perceber a água que temos hoje e a água que vamos ter no futuro, ou melhor, a água que não vamos ter”, disse.

As disponibilidades hídricas são pressionadas por vários factores conhecidos, sendo que as alterações climáticas já fazem sentir a sua influência com o aumento da intensidade e frequência dos períodos de seca, um problema que afecta sobretudo a zona a sul do Tejo. José Pimenta Machado considerou que o novo estudo traz um conhecimento que será um marco nesta área. São novos e actuais dados que se vão juntar a outros já conhecidos como o facto de a seca não ser hoje um problema exclusivo dos países do Sul. “Portugal consome duas Alquevas de água”, referiu o responsável da APA, lembrando ainda que a agricultura é o principal consumidor (70%).

Sobre a importante ferramenta do estudo apresentado esta terça-feira, avisou: “Há uma certeza, as tendências deste estudo estão certas. Temos de começar a mudar antes que caia a última gota.”

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