Viver com o espectro do autismo

As perturbações do espectro do autismo afectam cerca de 1 a 2% das crianças e são quatro vezes mais comuns nos rapazes que nas raparigas. Hoje é possível saber se a doença é hereditária, permitindo que se possam minimizar os sentimentos de culpa e obter um planeamento familiar responsável, livre e informado.

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"É importante avaliar a história pessoal da criança e da respectiva história familiar, que deve abranger três gerações" Paulo Pimenta

Em 1943, Leo Kanner introduziu o diagnóstico de autismo para definir uma entidade clínica observada em crianças, com início antes dos 3 anos de idade, caracterizada por sintomas característicos na esfera da linguagem e anomalias do comportamento social e relações emocionais. Presentemente, a designação de autismo foi substituída por Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) e classificada como uma doença do desenvolvimento, de acordo com os critérios definidos pelo Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, pela Associação Americana de Psiquiatria, e pela Organização Mundial de Saúde na Classificação Internacional de Doenças – CID 10.

O autismo caracteriza-se por limitações significativas de comunicação em sociedade, ao nível da expressão e compreensão da linguagem, e comportamentos ou interesses repetitivos ou restritos, antes dos 3 anos de idade. Existem diversas escalas para proceder ao diagnóstico clínico de autismo, que devem ser utilizadas por especialistas devidamente treinados, tendo em conta a história do doente e a forma de apresentação da doença.

Estas perturbações afectam cerca de 1 a 2% das crianças, sendo quatro vezes superior no sexo masculino do que no sexo feminino. Podem ser divididas em três grandes grupos: as formas sindrómicas, em que estão presentes sinais morfológicos ou sintomas sugestivos de uma doença genética específica; as formas não sindrómicas, em que não existem outros sinais ou sintomas; ou, ainda as formas múltiplas (em regra não sindrómicas) nas quais existem vários indivíduos afectados na mesma família.

A sua elevada frequência constituem um motivo relevante na clínica pediátrica em geral e particularmente nas áreas da Psiquiatria de Infância e Adolescência, na Genética, na Pediatria de Desenvolvimento e na Neurologia Pediátrica. Nos casos de PEA, a influência de factores genéticos, isto é a heritabilidade, é estimada entre os 70% e os 90%. A título de exemplo, já estão identificados várias dezenas de genes causadores.

É importante avaliar a história pessoal da criança e da respectiva história familiar, que deve abranger três gerações. Destaco a existência de sinais e sintomas que podem orientar a investigação: regressão do desenvolvimento psicomotor, epilepsia, perímetro cefálico e respectiva evolução, hipotonia (redução da força muscular), macrocefalia (quando a cabeça da criança tem tamanho maior do que o esperado para a idade), presença associada de atraso global de desenvolvimento e sinais dismórficos/malformações.

A investigação genética tem um importante papel principalmente no processo de identificação das suas causas e pode permitir, por vezes, o prognóstico da doença e, em casos muito raros, a realização de uma terapêutica específica.

São vários os testes que podem ser realizados, sendo estes seleccionados de acordo com o caso específico. Estes exames procuram determinar o tipo de hereditariedade, ou seja, perceber se a situação clínica em estudo foi herdada de algum dos progenitores ou se é um caso novo. No primeiro caso, o risco de recorrência para futuros descendentes será aferido conforme o tipo de hereditariedade, enquanto no segundo, o risco de recorrência será muito baixo (habitualmente considerado inferior a 1%), contribuindo para um planeamento familiar responsável, livre e informado.

Saber que esta doença tem uma causa genética acaba por acalmar os pais — aquilo a que chamo o “direito a saber”. Na verdade, são múltiplos os casais, que apesar de saberem que o resultado do estudo genético não permitirá modificações das estratégias terapêuticas, pretendem conhecer o mecanismo que causa a doença. Adicionalmente, e porque muitos casos são “de novo”, este conhecimento contribui, decisivamente, para a minimização de complexos de culpa frequentemente associados às doenças genéticas hereditárias, mas também para que os pais possam pensar em ter mais filhos, sabendo que o risco é mínimo.

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