Ventura e Pacheco a duas vozes: Chega deve ou não dialogar e ajudar o PSD?

Líder do Chega apresentou a sua moção onde defende a participação ministerial do partido num Governo com o PSD, mas ao mesmo tempo garantiu que não vai dialogar com os sociais-democratas.

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Pacheco é o deputado do Chega no parlamento açoriano LUSA/NUNO ANDRÉ FERREIRA

Foi uma dissonância ouvir, primeiro, o deputado do Chega na Assembleia Legislativa dos Açores, defender que “se é possível [ao PSD] governar com o Chega nos Açores, é possível governar Portugal com o Chega” e, pouco depois, na mesma tribuna, ter André Ventura a prometer, gritando a plenos pulmões, que o partido não vai “negociar, pactuar ou dialogar” com o PSD porque vai “impor a sua força num Governo de Portugal pela força do voto”.

Recebido quase como um herói na sala onde estarão cerca de 600 pessoas, o deputado José Pacheco apresentou-se como um marinheiro que desde há um ano é “o fiel da balança” depois do “poder que Deus deu através do voto popular”, e que tenta “não trair nem desiludir” quem confiou nele. Critica aqueles a quem “o tacho não chega e vão embora”, numa referência clara ao deputado dissidente Carlos Furtado.

Citou o brasão dos Açores – “Antes morrer livres que em paz sujeitos” – para justificar porque ponderou rejeitar o orçamento. “Preferimos morrer livres que sujeitos ao PSD. Nunca tive nem tenho medo e não estou agarrado àquele lugar (…) Não havia nada que me segurasse e eles perceberam isso. A verdade é que o Governo dos Açores cedeu em tudo o que o Chega exigiu”, garantiu. Contou que esteve em “diálogo constante” com o PSD e nunca fechou a porta.

“Se é possível governar com o Chega nos Açores, é possível governar Portugal com o Chega. Há que dar uma palavra de apreço aos que do lado de lá souberam ver isto. Do lado de cá também houve este sinal, mas se não déssemos um murro na mesa garantidamente éramos engolidos. Mas com o José Pacheco isso não existe.” E o que conseguiu? Viaturas para os bombeiros e a criação (só no papel) do gabinete anticorrupção. “Eu quero mais, vocês querem mais. Mas um dia de cada vez. Nós não passamos cheques em branco”, afirmou, pedindo aos militantes do continente que “corram com o socialismo de Portugal”.

Já André Ventura, na apresentação da moção estratégica global com que se candidatou novamente à presidência, acabou por dizer no placo o contrário do que defende no próprio texto. No documento “Governar Portugal sem ceder ao sistema”, em que no início de Outubro já previa eleições antecipadas, o líder do partido insiste na participação ministerial do Chega num Governo do PSD.

Acabou a prometer não “negociar, pactuar ou dialogar” com o PSD, mas durante o discurso também fizera outra promessa a longo prazo: “Em duas legislaturas alcançaremos o Governo de Portugal e não precisaremos nem do PSD nem do PS. Seremos nós a governar.”

Na moção também quer que o congresso ratifique a sua forma agressiva de fazer política. Agora, até invocou Jesus Cristo no Evangelho segundo S. Marcos: “De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma?” para questionar de que vale ganhar ministérios, secretarias de Estado, ser primeiro-ministro, se para isso for preciso “mudar o ADN e ser moderado apenas para ir ao encontro da vontade do PSD”. “Estaríamos a trair a nossa própria alma.”

Ventura admitiu que o congresso tem perdido “tempo com quem não interessa”, leia-se Rui Rio e Paulo Rangel porque, afinal, o que o Chega quer é “ser a verdadeira oposição ao PS. E quando o PSD discute se dança mais ou menos com Costa, nós devíamos dizer que este é o único partido que faz oposição ao socialismo em Portugal”. Por isso, avisou: “António Costa, nós vamos atrás de ti com tudo. Não vai haver mais socialistas a rir-se de nós no Parlamento.”

O líder anunciou ainda que o partido vai retomar a comissão de ética porque “um partido precisa de responsabilidade”, embora reconheça que se cometeram erros com o órgão – culpa sua, que o nomeou, admite –, mas aquele trouxe alguma “ordem”. As brigas internas têm-se notado no congresso, com delegados a subirem ao palco e a criticarem quem se esconde atrás de perfis falsos para desestabilizar. “Uma coisa é criticar; outra é atacar e destruir famílias, expor elementos pessoais como eu vi nas redes sociais. Isso não é possível e é mau demais.”

Ainda falando para dentro do partido, avisou que o partido não pode “dizer uma coisa aos portugueses e fazer outra dentro de portas”.

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