Os limites do pluralismo

Procurando repercussões na concorrência e nas redes sociais, media há que tentam a provocação, abrindo portas ao inaceitável…

Num país onde a reportagem, a investigação e até mesmo a correspondência são pouco praticadas, reina nos media uma estranha conceção do pluralismo. Até porque as redações são reduzidas e por vezes mal estruturadas, o conteúdo propriamente jornalístico (no sentido forte da palavra) sendo desde logo escasso.

Para tentar superar esta pobreza, a solução encontrada é recorrer a “colunistas” e “comentadores” muito diversos. Boa parte da colaboração destes não acarreta custos: serem publicados, passarem na rádio ou mostrarem-se na televisão é o pagamento de que usufruem socialmente. Embora haja outros que ganham muito bem a vida com tais prestações, pontificando em diversos media, imprensa diária e semanal, rádio e televisão – o que se traduz numa concentração da “opinião” que reflete uma estranha conceção do pluralismo.

Esta conceção singular do pluralismo é ainda acentuada pelo facto de os “opinadores” serem muitas vezes políticos no ativo ou reformados das lides partidárias – mas representando curiosamente um leque ideológico manifestamente desequilibrado, as opções de direita e mesmo de extrema-direita estando bem mais representadas do que as do campo adverso. Constatação que é igualmente evidente no que diz respeito aos “colunistas” e “comentadores” ditos “residentes”, entre os quais encontramos membros e mesmo responsáveis partidários que preferem miraculosamente fazer esquecer tal estatuto.

Outro alargamento das contribuições externas é constituído por debates e entrevistas em que o enviesamento da “opinião” é também notório, fazendo até intervir personagens ligados ao salazarismo e às variantes ideológicas reinantes no antigo regime. Dando-lhes a notoriedade indispensável à respeitabilidade sob pretexto de um estatuto intelectual que os media se apressam a reconhecer-lhes. Como se os 48 anos do Estado Novo não fossem de natureza a proscrever ad aeternum tais indivíduos do jornalismo democrático, embora haja no campo da antiga resistência quem tenha decidido irresponsavelmente dar-lhes aceitabilidade.

Tudo leva a crer, é verdade, que os media não se dão conta do que têm feito em permanência, e há longos anos, como promoção da nova direita e mesmo da extrema-direita. Quando passaram a dar guarida a dois únicos eleitos na Assembleia da República como se eles representassem organizações políticas socialmente implantadas, quando de facto mais não eram do que meras empresas unipessoais. Quando acharam que deveriam passar a entrevistá-los, a cada momento, em pé de igualdade com os representantes de organizações eleitoralmente confirmadas. Quando consideraram que a irresponsabilidade manobreira congénita do atual chefe de Estado, ao recebê-los sistematicamente em Belém, lhes dava credibilidade idêntica à das outras formações políticas históricas.

No estilo habitual que é o deles, que tudo põem em questão menos a sua própria prática profissional, os media não se interrogam sobre a maneira como têm promovido as formações radicais desprovidas inicialmente de base social. Formações a que foram os media e a televisão em particular a dar visibilidade, credibilidade e aceitação social, quando eram apenas iniciativas unipessoais. É certo que emissões, debates e entrevistas que, a pretexto de pluralismo, servem de trampolim para a promoção da direita radical são um fenómeno que se encontra também noutros países europeus. Basta ver o que se passa nos media franceses propriedade de Vincent Bolloré, uma das maiores fortunas do país e grande promotor de um antissemita (…de origem judaica!) que se afirma como o novo mentor da extrema-direita soberanista e racista.

Se na sua prática quotidiana um meio de comunicação social não pode ser um painel de afixação de conteúdos irresponsáveis (ver “Liberdade e censura”, in PÚBLICO de 24/8/2021), também não pode dar o sentimento de poder ser jornalisticamente um inocente trampolim para personagens, organizações e ideologias que não se coadunam com os ideais do 25 de Abril. Sobretudo se se trata de um meio de comunicação social respeitador do Estado de direito democrático. E se os seus jornalistas não se tiverem esquecido que, em parte alguma, em tempo algum da História, a extrema-direita permitiu o exercício livre do ofício de informar…

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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