Animais diferentes sentem de forma igual

Não podemos, legalmente, considerar legítimo proteger cães ou gatos de maus tratos e colocar de fora da protecção legal os tantos casos de violência ou maus tratos injustificados infligidos a animais como vacas, porcos ou ovelhas.

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Daniel Rocha

Esta sexta-feira, 12 de Novembro, a Assembleia da República vai debater uma importante alteração em prol da defesa dos animais no nosso país: o alargamento dos crimes de maus tratos e abandono aos demais animais sencientes, não apenas os animais de companhia.

A protecção animal é uma preocupação crescente da sociedade civil, o que significa que há hoje uma maior consciencialização no que respeita à capacidade de os animais sentirem afecto, dor e sofrimento de forma consciente. O Código Civil desde 2017 reconhece isso mesmo, um estatuto jurídico próprio dos animais, distanciando-os do regime das “coisas”, e que são, sim, seres dotados de sensibilidade.

No entanto, apesar deste reconhecimento, a tutela penal não acompanhou ainda esta evolução, deixando os animais desprotegidos em função da finalidade com que são detidos e não em função da evidência científica quanto à sua capacidade de sofrimento e da ampliação da dimensão da ética. Quando continuamos a assistir a reiterados atentados ao bem-estar animal, um pouco por todo o país, devemos reflectir sobre a necessária e urgente actualização da lei. A sociedade assim o exige.

Só com uma mudança na lei podemos corrigir aquela que é uma clamorosa e injustificada injustiça de tratamento entre animais e acompanhar os avanços científicos respeitantes às várias espécies de animais com as quais convivemos. Podemos falar de animais diferentes, mas, no que toca à capacidade de sentir dor ou sofrimento, os animais são todos iguais (pelo menos os referidos na Declaração de Cambridge sobre a senciência dos animais) e merecem ser reconhecidos pela lei como tal.

O projecto de lei que o PAN leva esta sexta-feira a debate visa assim o alargamento da criminalização de maus-tratos e de abandono a todos os animais. Esta alteração vai permitir que passe a ser considerado crime os maus-tratos infligidos a qualquer animal, como é o caso de equídeos ou animais utilizados para outros fins, como porcos, ovelhas, cabras, entre outros, e não apenas a animais de companhia, como cães e gatos.

A ser aprovado, este projecto de lei significa que os crimes já previstos na lei, ou seja, os crimes de morte e maus tratos e os crimes de abandono, passam a abranger qualquer animal vertebrado, independentemente da sua finalidade. E que casos como cavalos maltratados ou abandonados, ou bovinos deixados para morrer à fome, deixarão de esbarrar na incompreensível lacuna da nossa lei.

Em pleno século XXI, não faz qualquer sentido que maltratar ou abandonar um cão seja punível por lei, mas maltratar ou abandonar, por exemplo, um cavalo ou um burro, não o seja. E bem sabemos que esta é a realidade em muitos pontos do nosso país, não só em zonas rurais mas também em centros urbanos.

Mas, além desta alteração, precisamos de ir mais longe no nosso país e alterar também a Constituição, acompanhando soluções há muito adoptadas por outros países, como a Alemanha, de forma a incluir o bem-estar animal, tornando assim desnecessária uma leitura mais actualista da nossa lei fundamental, ou do recurso a normas com valor supralegal, como a do Artigo 13º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Refere a Ordem dos Advogados que a necessidade da extensão da tutela penal a outros animais vertebrados, que não apenas os de companhia, é uma “orientação que vai ao encontro do sentimento de justiça geral de proteger da violência desnecessária e evitável aos outros seres sencientes que connosco partilham o planeta (neste caso, o território nacional)”.

Não podemos, legalmente, considerar legítimo proteger cães ou gatos de maus tratos e colocar de fora da protecção legal os tantos casos de violência ou maus tratos injustificados infligidos a animais como vacas, porcos ou ovelhas. Todos estes animais sentem de igual forma, pelo que não é aceitável, por exemplo, maltratá-los, mesmo que a sua finalidade seja destinar-se ao consumo humano. Também a realidade do transporte de animais vivos por via terrestre ou marítima é um triste exemplo de como não são dadas condições dignas a estes animais até ao momento do seu abate.

Adiar o passo civilizacional que Portugal tem de dar nestas matérias convoca-nos para as palavras do professor Menezes Cordeiro, que nos diz que há um fundo ético-humanista “que se estende a toda a forma de vida, particularmente à sensível. O ser humano sabe que o animal pode sofrer; sabe fazê-lo sofrer; sabe evitar fazê-lo. A sabedoria dá-lhe responsabilidade. Nada disso o deixará indiferente - ou teremos uma anomalia, em termos sociais e culturais, dado o paralelismo com todos os valores humanos.”

Por todas estas razões, e por toda a violência que continua a ser perpetrada para com estes animais, é urgente alargar a tutela penal, corrigindo, assim, uma das muitas injustiças que persistem para com os animais.

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