É preciso redescobrir os tintos de castelão

Existe em diferentes regiões do país, mas é na Península de Setúbal que atinge grande notoriedade. Um bom exemplar de castelão é tudo aquilo de que precisamos quando queremos vinhos mais finos, com frutos vermelhos, notas fumadas e vegetais, e uma boca delicada e sedosa. Quando os enólogos sabem interpretar a casta, temos vinhos diferentes e com vocação gastronómica.

Foto

No princípio era a portuguesa alfrocheiro e a espanhola cayetana. A dada altura juntaram-se, e nasceu a casta castelão, também conhecida como joão santarém no Tejo e trincadeira da Bairrada. Existe em diferentes regiões do país, mas com maior incidência no Tejo e na Península de Setúbal. É nesta que atinge grande notoriedade, em virtude dos solos arenosos de determinadas fatias do território. Tal notoriedade é visível na qualidade, mas também na quantidade dos tintos da Península de Setúbal. As estatísticas indicam que entre 5275 hectares na região com uvas tintas, existem 3255 hectares com castelão. O que significa que os lotes de vinhos de maior volume continuam a ter como base esta casta.

Se as coisas são assim, por que razão a marca castelão da Península de Setúbal terá pouca notoriedade junto dos consumidores a nível nacional? Haverá um conjunto de razões, mas as mais acertadas serão o encantamento dos produtores por outras castas que originam vinhos mais em voga e a instalação de vinhas de castelão em terrenos não adequados. Como acontece com qualquer casta, para se obter um vinho de referência é necessário que as cepas estejam instaladas nos solos certos.

Bernardo Cabral, responsável pelo regresso à ribalta de uma marca histórica que só trabalha com castelão de vinhas muito velhas (Pegos Claros), disse-nos recentemente, “No limite, se eu tivesse de escolher uma única casta tinta para plantar em Portugal, nem pensaria duas vezes: castelão. Dá vinhos fabulosos e diferentes. E, nos solos certos e com os devidos cuidados na adega, é amiga do produtor, resistente às doenças e aos escaldões. Que mais pode um produtor pedir?”

Os produtores da região estão empenhados em dignificar o castelão enquanto vinho varietal, até como estratégia de diferenciação face a vinhos cujas castas tanto existem no Douro como na Austrália. E fazem bem, porque um bom exemplar de castelão é tudo o que precisamos quando queremos vinhos mais finos, com frutos vermelhos, notas fumadas e vegetais, por vezes cheiros balsâmicos naturais e uma boca delicada e sedosa. Quando os enólogos sabem interpretar a casta, o que significa evitar grandes extracções e madeira nova em excesso, temos vinhos diferentes e, ainda por cima, com excelente vocação gastronómica. Se tais vinhos nascerem de vinhas velhas, temos a cereja em cima do bolo.

Embora não seja fácil encontrar no mercado castelões com idade, quando alguma colecção de família vai parar a alguma destas garrafeiras que se especializam no rol de coisas antigas, acontece-nos encontrar colheitas com décadas e em bom estado. São, como se imagina, vinhos com aromas terciários misteriosos, quase sempre à volta das especiarias, notas vegetais e fumadas.

De facto, só fica agora a faltar uma maior atenção dos consumidores para os tintos de castelão da Península de Setúbal.


Este artigo foi publicado no n.º 2 da revista Solo.

Sugerir correcção
Comentar