Vamos ter um berbicacho

Marcelo sabe bem que está no momento mais periclitante, arriscado e duvidoso da sua passagem por Belém. As sondagens dão-lhe conforto, mas confirmam o seu presságio de Março deste ano.

Marcelo fez o que já se sabia que iria fazer. O anúncio da dissolução do Parlamento era mais do que evidente após a sua ameaça de dissolver o Parlamento em caso de chumbo do Orçamento e após a decisão do Conselho de Estado favorável à antecipação de eleições. A data que escolheu é a mais sensata: 30 de Janeiro está a meio caminho entre quem queria as eleições o mais rapidamente possível — a 16 de Janeiro — e quem as queria apenas em Fevereiro.

Ambas as opções eram tácticas: o primeiro cenário interessava aos partidos de esquerda, por este não ser, de todo, conveniente aos partidos de direita, e o segundo interessava apenas a quem pretende disputar a liderança do PSD e do CDS. Esta é a data que interessa mais ao país: evita que o Pai Natal também entre na campanha e dá tempo àqueles dois partidos para se recomporem.

Ninguém se portou bem neste processo, incluindo o Presidente. Há, antes, durante e depois do chumbo inédito de um Orçamento do Estado em democracia, uma tentação pelo hara-kiri do sistema político. O PS já não foi a tempo de disfarçar a sua arrogância e a sua base de apoio parlamentar extremou-se como nunca, sem esperar pelo debate na especialidade, misturando orçamento e legislação do trabalho, e o PSD e o CDS entraram numa espiral decadente e miudinha.

Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos estão alinhados no mesmo propósito de evitar congressos ordinários nos seus partidos e de não correrem riscos de substituição. Se os partidos de esquerda queriam eleições logo, logo, para obterem ganhos na secretaria, Rio e Rodrigues dos Santos querem fazer o mesmo internamente. O primeiro vai voltar a insistir no conselho nacional de sábado que as directas do partido se realizem depois das legislativas. As eleições que ninguém queria, afinal, assustam toda a gente.

Marcelo sabe bem que está no momento mais periclitante, arriscado e duvidoso da sua passagem por Belém. As sondagens dão-lhe conforto, mas confirmam o seu presságio de Março deste ano. Dão-lhe conforto porque os inquiridos não queriam eleições, culpam os partidos de esquerda pela crise política, mas também acreditam que o PS será o provável vencedor das eleições e que não haverá uma maioria absoluta.

Por causa das coisas, o Presidente esclareceu-nos esta quinta-feira que se vive “um período de indefinição política” em termos globais e questionou até se haverá “ciclos estáveis no futuro próximo”. É verdade. Vamos ter um berbicacho. 

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