Antes a rutura do que a captura

Mesmo que as sondagens não apontem para um quadro político totalmente novo, o preço de uma ida às urnas será sempre menor do que o custo social elevadíssimo da cedência a todos os ditames de PCP e Bloco.

O jogo de sombras a que temos assistido ao longo do último mês nas negociações com vista à aprovação do Orçamento de Estado é uma repetição agravada de cenas semelhantes em anos anteriores, sempre em nome de uma suposta estabilidade política encarada como valor fundamental do regime.

Ora a estabilidade de uma solução governativa ao longo de um mandato quadrienal, sendo embora desejável, não constitui um valor absoluto, não é um “bezerro de ouro” a que tenhamos que sujeitar todos os aspetos da vida do país. Sobretudo quando essa dita estabilidade é conseguida à custa de uma crescente instabilidade social.

Claro que o Governo de António Costa está hoje refém do PCP e do Bloco de Esquerda porque fez uma duvidosa escolha, por certo condicionada por certas correntes no interior do Partido Socialista, ao definir como linha política para a legislatura que só governaria com o apoio desses partidos. Ao excluir a priori qualquer possibilidade de entendimento (mesmo que tácito) na aprovação dos orçamentos anuais com as forças políticas do centro, encaradas como pestilentas ou execráveis, reduziu o seu espaço de manobra e ficou exposto a toda a espécie de cedências à esquerda radical para se manter no poder.

Pior ainda, ao escolher tal caminho, renegou um elemento fundamental da vida democrática contemporânea, o diálogo e a tolerância com vista a criar pontes de consenso, dividindo o país entre duas fações encaradas como irreversivelmente opostas, o que é no mínimo uma aberração e um elemento que, somado ao domínio do aparelho de Estado e de parte da comunicação social, introduziu um fator tóxico na vida da democracia portuguesa. A qualidade de uma democracia também se mede pela efetividade do Estado de Direito, pela estabilidade dos regimes jurídicos estruturantes e pelo funcionamento independente das instituições e a garantia de pluralismo no decisivo poder mediático (e no ensino, claro!).

Tem que se compreender que uma coisa é discutir, nas negociações de qualquer Orçamento, prioridades na alocação de fundos e medidas financeiras que espelhem determinada política, outra muito diferente é trazer para a discussão a mudanças dos quadros jurídicos estruturantes da vida nacional que pouco ou nada têm a ver com o OE. Por outro lado, de cedência em cedência, a cada ano de “geringonça” (e já lá vão seis anos) cada vez mais o regime económico se torna mais rígido, o apetite pelo investimento menor, o ímpeto proibicionista (antes apanágio da direita, hoje da esquerda) mais forte e absurdo. A redistribuição da magra riqueza nacional vai prevalecendo sobre a preocupação com o necessário estímulo às fontes de criação de riqueza.

Se esta tendência continuar, amanhã poderemos ver o PS, em nome da unidade da “geringonça” e escudado no sacrossanto princípio da dita estabilidade dos mandatos governativos, tão caro ao Presidente da República, renegar o seu passado, o passado da resistência à ditadura e depois do 25 de abril à experiência gonçalvista da marcha para o “socialismo real”.

Que dirá António Costa se o preço de fazer passar um Orçamento do Estado for, por exemplo, a nacionalização das grandes empresas estratégicas, como deseja o PCP, ou a saída do euro, por imposição de certos “economistas” ligados ao Bloco de Esquerda, sob pretexto de escapar a regras orçamentais consideradas injustas ou impostas por instituições que eles consideram não democráticas? Tenho por adquirido que se oporá a tal e preferirá a rutura à captura pela esquerda radical!

Por isso, em situações como a atual, e mesmo que as sondagens não apontem para um quadro político totalmente novo, em que venha a existir uma clara maioria absoluta na Assembleia da República, o preço de uma dissolução e de uma ida às urnas será sempre menor do que o custo social elevadíssimo da cedência a todos os ditames de PCP e Bloco.

Governar alguns meses em regime de duodécimos não fará desabar o País e muitos governos de gestão, em vários países europeus, têm, apesar da sua transitoriedade, apresentado bons resultados.

A democracia tem mecanismos que lhe permitem gerir as crises e a chamada às urnas do povo soberano, quando uma solução política se esgota, é o mecanismo central e essencial do seu funcionamento.

Paula Teixeira da Cruz é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico

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