Quem aponta os impostos aos pobres?

Foi o Governo PSD/CDS - então apoiado por Francisco Mendes da Silva - que, em 2014, criou a fiscalidade verde que é clara nos seus propósitos: “uma reorientação de comportamentos” e substituir os impostos sobre os rendimentos. E no programa do atual Governo do PS lá estão explícitos todos esses objetivos.

Francisco Mendes da Silva publicou um artigo, A revolução contra os pobres, cuja tese principal é que a esquerda tem abraçado ideologicamente (e não só pragmaticamente) os impostos sobre o consumo por eles permitirem alcançar os objetivos políticos de alteração de comportamentos, no caso sobre as alterações climáticas.

O artigo só esbarra num pequeno detalhe: a realidade. Foi o Governo PSD/CDS - então apoiado pelo autor do artigo - que, em 2014, criou a fiscalidade verde que é clara nos seus propósitos: “uma reorientação de comportamentos” e substituir os impostos sobre os rendimentos (bem sabemos que tal não aconteceu, foi apenas mais carga fiscal). Na altura esta reforma foi votada apenas pela direita, mas na verdade não estava sozinha: basta ler o programa do atual Governo do PS, lá estão explícitos todos esses objetivos.

Vejamos também as Leis de Base do Clima em cima da mesa. Nas propostas de PS e PSD (a restante direita não apresentou proposta) a fiscalidade verde para alterar comportamentos é uma - se não “a” - pedra basilar da resposta climática. E, escusado será dizer, que para o PAN - entretanto chegado ao Parlamento - a taxação ambiental é encarada como a solução para todos os males. E, se formos a soluções, vemos que foi a direita a opor-se à descida do preço dos passes dos transportes públicos.

Na energia, há um ano houve grande discussão sobre a proposta do Bloco de Esquerda para reduzir o IVA da eletricidade, em que foram alguns apoios de direita a salvar o PS dessa descida. Agora temos a discussão sobre os combustíveis, em que a direita e o PS chumbaram a proposta de limitar os preços praticados. A grande indústria do petróleo teve lucros fantásticos ao longo do último século, teve guerras feitas em seu nome e contribuiu para a destruição do planeta, com efeitos devastadores que custam fortunas aos cofres públicos. A direita recusa o controlo dos lucros abusivos das petrolíferas e o PS apenas avançou com medidas tímidas. O Bloco defende um sector energético público e, no momento, o controlo público dos preços e abaixamento dos impostos quando os preços estão elevados.

É, assim, difícil concluir que é a esquerda - os herdeiros de Marx como o autor nos chama - que quer impostos elevados em bens essenciais para mudar comportamentos e assim garantir uma resposta climática. Queremos mesmo as transformações necessárias para que o petróleo deixe de ser um bem essencial para quem hoje não tem outra alternativa na sua vida.

Cada medida deve ser avaliada pelos seus méritos. Mas, de facto, o simples encarecimento imediato das energias poluentes, sem a criação de alternativas, pode ser uma tragédia para os mais pobres. Uma política climática assente em impostos sobre o consumo e em benefícios fiscais prejudica quem tem menos rendimentos.

Além disso, é uma política climática votada ao fracasso. Em primeiro lugar, uma resposta climática que não tenha o apoio da população - ou que se faça contra ela - é a garantia de que será derrotada à primeira curva. A resposta deve ser de justiça climática e social, dentro do país e no planeta onde há tantas dívidas históricas para quem não pode seguir o mesmo modelo de desenvolvimento.

Em segundo lugar, e de forma mais profunda, falha porque parte do princípio de que a soma das vontades individuais é igual às necessidades da sociedade e que o mercado suprirá essas necessidades. E falha porque pensa que sem investimento público e decisões políticas é criada uma alternativa.

É por estes motivos que a crença de que a taxação é a solução para o clima está tão enraizada nos partidos partidários do mercado. O mercado criou o problema e não o vai resolver. É também por isso que essa não é a solução proposta à esquerda, na prática e na ideologia. Preferimos mesmo a justiça social e a criação de um modelo económico alternativo.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários