Recuperar a Saúde, já!

Seis bastonários do sector da saúde assinam um artigo em que interpelam o Governo sobre a exaustão dos profissionais e apelam à “reestruturação e o robustecimento do sistema de Saúde”

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Manuel Roberto

Exaustos após quase dois anos de luta contra a pandemia da Covid-19, inquietos com o atraso acumulado na resposta às demais patologias e preocupados com a ausência de uma estratégia robusta e coerente que permita enfrentar os problemas e os défices crónicos do sistema de saúde, os bastonários do sector exortam o Governo a definir, com carácter de urgência, sem perder mais tempo e com total transparência a todos os níveis um plano de ação que garanta as condições materiais de assistência de saúde de qualidade a todos os portugueses.

As necessidades e contingências do combate à pandemia produziram efeitos que não podem ser ignorados. Milhões de consultas, exames e tratamentos ficaram por fazer, agravando de forma substancial a saúde dos portugueses e o bem-estar da população. Se o país não estava bem antes da pandemia, agora está pior. No caso dos centros de saúde, as consultas médicas presenciais de janeiro a agosto deste ano foram 9.231.586, ou seja, ainda abaixo do mesmo período de 2019, com 13.751.700. Isto significa que não estamos sequer a níveis pré-pandemia, quanto mais recuperar. 

No caso dos hospitais, tivemos entre janeiro e agosto um total de 12.722.415 consultas, quando em 2019 eram 12.420.101. Isto significa que se fizeram mais 302.314 consultas este ano, o que é bom e ajuda, mas mesmo assim haverá milhares por fazer, já que milhares de doentes ficaram para trás. Estes valores acabam, naturalmente, por ter impacto em muitas patologias. Olhando, por exemplo, para a oncologia, comparando janeiro a agosto de 2019 com os dados do mesmo período de 2021, temos menos 101.821 mulheres com mamografia registada nos últimos dois anos anos e menos 151.110 com colpocitologia. O risco é evidente. 

O confinamento, isolamento e a redução dos contactos sociais tiveram também como consequência o aumento dos problemas de saúde mental, ao que acrescem as patologias relacionadas com as sequelas físicas de longo prazo provocadas pela Covid-19 em milhares de doentes recuperados.

Os profissionais de saúde a quem cabe dar resposta a estes atrasos estão exaustos, padecem também eles de doença mental e fadiga pandémica, e enfrentam frequentemente condições de trabalho marcadas por inúmeras carências, pela desorganização e pela falta de investimento em sectores fundamentais, como a saúde mental, a saúde oral, a saúde nutricional e assistência farmacológica

Para responder aos diversos impactos da pandemia, os bastonários da área da Saúde consideram urgente um levantamento rigoroso que permita conhecer com exatidão os atrasos, as carências e os défices materiais e organizacionais do sistema, de forma a traçar um plano de ação claro e objetivo visando a recuperação imediata da assistência aos portugueses e a criação de condições que permitam enfrentar com tranquilidade os desafios futuros do setor da saúde.

Entendemos, assim, que a reestruturação e o robustecimento do sistema de Saúde devem ser considerados objetivos de prioridade máxima tendo em vista o seu financiamento no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, de forma a garantir o acesso de todos os portugueses a cuidados de saúde integrais e de qualidade, bem como a plena resposta às suas reais necessidades. A recuperação dos atrasos existentes não pode nem deve ignorar a necessidade de uma estratégia clara de consolidação do sistema, cuidando, desde já, de aspetos que consideramos essenciais, como a aposta na prevenção, na assistência de proximidade e na promoção de estilos de vida mais saudáveis.

Sem menosprezar as inegáveis potencialidades do sistema e a capacidade assistencial instalada, a definição de uma estratégia clara e integrada para a Saúde deve, pois, dar prioridade à investigação e à inovação, à redução da burocracia e à adoção de métodos de gestão modernos e eficientes, que explorem as virtualidades da digitalização, beneficiem a sustentabilidade do sistema e subordinem o financiamento à produtividade e aos resultados alcançados. 

A Convenção Nacional da Saúde (CNS)  — entidade que reúne ordens profissionais ligadas à saúde, parceiros dos sectores público, privado e social, associações de doentes, universidades e centros de investigação — realiza amanhã, terça-feira, um debate centrado no pós-pandemia que contará com a presença do senhor Presidente da República. O objetivo é claro: exigir medidas concretas e mostrar a disponibilidade das CNV para participar neste esforço coletivo como parceiro permanente -- sem transparência e colaboração será tudo mais difícil. Não há, pois, mais tempo a perder. As necessidades estão identificadas. Os portugueses exigem que a saúde seja assumida de uma vez por todas como área fundamental. É preciso recuperar a saúde, já.

Alexandra Bento (Bastonária da Ordem dos Nutricionistas), Ana Paula Martins (Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos), Francisco Miranda Rodrigues (Bastonário da Ordem dos Psicólogos), Maria de Jesus Fernandes (Bastonário da Ordem dos Biólogos), Miguel Guimarães (Bastonário da Ordem dos Médicos), Miguel Pavão (Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas)

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