Fim de medidas de combate à covid dá “espaço orçamental” de 3000 milhões

UTAO calcula que ao retirar as medidas transitórias de combate à pandemia, o OE do próximo ano garante logo uma poupança equivalente 1,3% do PIB. Uma ajuda importante para a redução do défice num ano em que as medidas novas têm já o maior impacto dos últimos sete anos

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Rui Gaudencio

A redução de 1,1 pontos percentuais do défice projectada pelo Governo no Orçamento do Estado do próximo ano tem no “espaço orçamental de 2996 milhões de euros” criado pela retirada das medidas extraordinárias contra a pandemia uma explicação fundamental, assinala a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) na sua primeira análise à proposta entregue pelo Governo e que começará a ser discutida no Parlamento a partir desta sexta-feira.

De acordo com as contas feitas pelos técnicos da UTAO, que voltam a queixar-se do reduzido nível de informação prestado pelo Ministério das Finanças, as medidas transitórias de combate à covid, que incluem, por exemplo, as despesas com a administração de vacinas ou os subsídios disponibilizados às empresas, passam de um impacto estimado no défice público de 3572 milhões de euros (ou 1,69% do PIB) em 2021 para 576 milhões de euros (ou 0,25% do PIB) em 2022. 

É uma diminuição do impacto negativo equivalente a 2996 milhões de euros (ou 1,32% do PIB), que se explica pela redução drástica da despesa prevista com este tipo de medidas, de 4517 milhões de euros em 2021 para 600 milhões de euros em 2022, que não tem equivalência na redução da receita de 945 milhões para 24 milhões de euros.

O Governo conta, na proposta de OE, que o ano de 2022 seja já praticamente livre dos constrangimentos orçamentais provocados pela pandemia e limita, de acordo com os cálculos da UTAO, as despesas orçamentadas com medidas de combate à covid a 400 milhões de euros de despesas de consumo intermédio (relacionadas, por exemplo, com o processo de vacinação) e 200 milhões de euros de despesas com subsídios.

Esta redução do impacto negativo destas medidas no défice, num valor equivalente a 1,32% do PIB, representa um contributo fulcral para a melhoria de 1,1 pontos percentuais que é prevista pelo Governo no saldo orçamental de 2022 (3,2%) face ao estimado para 2021 (4,3%).

“O desligamento progressivo das medidas covid abrirá espaço orçamental em 2022. Importa apurá-lo e perceber o que o Governo pretende fazer com ele”, afirma a UTAO no relatório de análise à proposta de OE publicado esta quinta-feira.

Este contributo positivo de 1,3 pontos é contrabalançado pelo efeito negativo no défice de outro tipo de medidas. O impacto negativo no défice das chamadas “medidas antigas”, que inclui as alterações de despesa e receita provocadas por todas as medidas permanentes que já estavam em vigor e que se prolongam, é estimado pela UTAO como sendo de 2003 milhões de euros (0,9% do PIB. 

Depois, as novas medidas lançadas no OE, incluindo o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), afectam o défice em 622 milhões de euros (cerca de 0,3% do PIB), havendo ainda um efeito negativo adicional no saldo orçamental de 0,5%, decorrente de medidas extraordinárias (em 2021, o Estado beneficiou de uma receita extraordinária avultada proveniente de um acerto de contas nos empréstimos da troika). 

Para explicar a passagem de um défice de 4,3% em 2021 para um défice de 3,2% falta apenas incluir aquilo que a UTAO designa por “resto”, que inclui uma série de efeitos impossíveis de quantificar de forma exacta, como, por exemplo, o impacto positivo do crescimento económico numa série de rubricas orçamentais. Neste OE, este “resto” atinge os 2722 milhões de euros, ou 1,2% do PIB. 

Perceber como é que o Governo chega ao valor do défice de 3,2% previsto na proposta de OE pode ser importante numa altura em que se discute ainda com os partidos à esquerda a existência de uma margem orçamental para adoptar novas medidas com impacto negativo no défice. À esquerda existe a convicção de que o impacto positivo do crescimento da economia no período pós-pandemia, a par com uma ajuda significativa do fundos europeus – que permite que o investimento público cresça, mesmo quando o esforço nacional de investimento diminui –, daria espaço ao Governo para ser mais ambicioso em algumas medidas de aumento da despesa pública e redução da receita fiscal.  

Do lado do executivo, o argumento dado é o de que já há nesta proposta de OE uma série de medidas novas com um impacto orçamental muito significativo. A UTAO, que estima que essas medidas ascendam a 622 milhões de euros (0,3% do PIB), assinala que esse valor é efectivamente o mais alto dos últimos sete orçamentos. Neste valor estão incluídas medidas como a alteração dos escalões do IRS ou o aumento salarial de 0,9% para os funcionários públicos.

O que não estará neste valor são as medidas que entretanto ainda estão a ser avançadas pelo Governo, numa tentativa de satisfazer algumas da exigências feitas à sua esquerda e assim garantir a aprovação da proposta de OE no Parlamento.

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