Parlamento rejeita comissão de inquérito do Chega ao acidente do carro de Cabrita na A6

Só CDS e IL apoiaram Ventura. Restantes partidos argumentaram não quererem sobrepor-se às investigações do MP, GNR e INEM em curso.

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LUSA/Paulo Cunha

Foi sob os argumentos da recusa do “aproveitamento político” da tragédia que tirou a vida a um trabalhador da manutenção dos espaços verdes da auto-estrada e da “não interferência com as investigações" que estão ainda a decorrer que a maioria dos partidos rejeitou, nesta sexta-feira, a proposta do Chega para a constituição de uma comissão de inquérito ao acidente do carro em que seguia o ministro da Administração Interna a 18 de Junho na A6 e que vitimou um trabalhador da manutenção das áreas verdes da auto-estrada. A proposta teve os votos contra do PS, PSD, BE, PCP, PAN, PEV e da deputada Joacine Katar Moreira. Votaram ao lado do Chega o CDS, a IL e a deputada não-inscrita Cristina Rodrigues.

André Ventura justificou a sua proposta de constituição de uma comissão parlamentar de inquérito para apurar se houve “abuso de poder e interferência abusiva” do ministro da Administração Interna sobre a estrutura que lhe está dependente e que tem sob a sua alçada parte da investigação ao acidente. 

Lembrou que quatro meses depois ainda não há quaisquer informações sobre a velocidade a que seguia o veículo nem sobre a investigação ao processo de socorro que demorou demasiado tempo e teve diversos percalços, que houve declarações contraditórias sobre as circunstâncias do acidente - como a sinalização - que não foram clarificadas, e que também não foi ainda esclarecido se houve ou não impedimento à realização de perícias à viatura. E realçou que Eduardo Cabrita é o ministro responsável pela segurança rodoviária e pela protecção civil, ambas colocadas em causa no caso, assim como tem tutela sobre as forças que o estão a investigar. E ainda nada disse em quatro meses. “É o grau zero da impunidade.”

Carlos Peixoto, do PSD, lamentou o acidente e a consequência mortal, mas criticou a postura de Eduardo Cabrita de procurar “sacudir a água do capote” com as declarações contraditórias do seu gabinete em relação à Brisa e o seu silêncio mesmo perante a polémica que se gerou, a sua “aparente insensibilidade" por nem ele nem o motorista terem saído do carro quando ao seu lado tinha “uma pessoa prostrada no chão, possivelmente já morta”. “O país tem que saber a velocidade a que seguia o carro do ministro”, exigiu. Porém, salientou, “tudo está a ser apurado num inquérito judicial, ainda que a celeridade se comece a perder um pouco. Por agora é prudente aguardar, mas não indefinidamente, para depois perceber se é preciso, do ponto de vista político-parlamentar, apurar responsabilidades políticas.” E avisou: “Lá que o MAI vai ter que sair da toca e explicar muito bem o que aconteceu lá isso vai porque o PSD, o Parlamento e o país não vão permitir que continue calado.”

O tom estava dado. Nelson Silva, do PAN, também admitiu que o acidente motiva “mais perguntas que respostas” e que, apesar da “rapidez e solidariedade” prometida pelo ministro, já se passaram quatro meses mas ainda não se sabem “factos simples” como a velocidade do carro, a sinalização, se a GNR foi ou não impedida de analisar o veículo e e a família já recebeu os apoios. “O MAI não foi rápido nem solidário nem colaborante ou transparente pois remeteu-se a um profundo silêncio e agora ainda mais porque o processo está sob segredo de justiça.” Mas, para o PAN, “já foram abertos inquéritos suficientes”.

Embora classificando o caso de grave - e ser pior ainda por se tratar do ministro que tem sob a sua alçada a segurança rodoviária - e ter outras razões para a demissão do ministro, o bloquista Pedro Filipe Soares recusou “entrar no jogo do oportunismo político”, considerou que “usar a morte como arma de arremesso político é desprezível” e que o Parlamento abrir uma comissão de inquérito agora seria “desconfiar das perícias e da investigação judicial em curso”.

Também o comunista António Filipe recusou um inquérito parlamentar que “vá atropelar o inquérito judicial em curso” mas recusou a “chicana política”. “Não aceitamos que a AR queira interferir no inquérito judicial em curso, que passaria para o campo da política o que deve estar na na justiça, ou que se retirem dividendos políticos partidários de um acidente trágico que o motorista e o ministro lamentarão, nem que se use isso como arma de arremesso político.” E o PS, que lembrou que o Parlamento recusou, em Julho, um requerimento do Chega para ouvir o ministro sobre o mesmo assunto, usou os exactos termos do PCP a que acrescentou a acusação de que André Ventura está a “desrespeitar a memória da vítima e o sofrimento da família”.

Do lado de André Ventura colocaram-se o CDS e a IL. Telmo Correia afirmou-se “contra o sensacionalismo parlamentar” mas quatro meses sem qualquer informação é tempo demais. O líder parlamentar centrista argumentou que quem “politizou” o caso foi Eduardo Cabrita quando “não falou” ou “disse inverdades” sobre o local não estar sinalizado. “Deixou de ser um mero acidente de viação para ganhar contornos políticos” porque todo este tempo depois desconhece-se quase tudo.

João Cotrim de Figueiredo afirmou não gostar de “confundir investigações policiais com o trabalho parlamentar” mas lembrou que na segunda-feira passam quatro meses do acidente e continuam por dar muitas respostas, nomeadamente “se o socorro foi realmente prestado como deveria, se houve manipulação de dados e se a GNR foi impedida de fazer perícias ou se há entraves nas investigações”. “Prefiro ser acusado de oportunismo político do que imobilismo neste clima de impunidade política.”

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