Igreja prefere “levantar a poeira” a lidar com os abusos sexuais, acusa secretário de Estado da Educação

Quando há indícios de abusos, nas escolas “abrem-se de imediato processos de averiguações, suspensões preventivas e reporte às autoridades”, isto é, “não há silêncio ou deslocação do profissional para outra escola”, como acontece na Igreja, lembrou João Costa.

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Nuno Ferreira Santos (arquivo)

A Igreja Católica portuguesa prefere incorrer na “falácia do espantalho” no que respeita aos abusos sexuais de menores cometidos por clérigos, optando por “levantar a poeira noutros sectores” em vez de “olhar para dentro e agir”. Foi num tom inusitadamente duro que o secretário de Estado adjunto e da Educação, João Costa, reagiu no Facebook à posição assumida pelo bispo D. Américo Aguiar, coordenador da comissão de protecção de menores do Patriarcado de Lisboa, que admitiu a realização de um levantamento retrospectivo sobre os abusos de menores em Portugal, desde que o mesmo não se restrinja aos membros do clero.

“A Igreja é a única instituição que, apesar de todos os arrastamentos e dificuldades, está a levar isto a sério. Vêem o Ministério da Educação a fazer alguma coisa? As ordens profissionais a fazer alguma coisa?”, argumentara D. Américo Aguiar, em declarações ao PÚBLICO. Na reacção, João Costa lembrou que, ao contrário do que se passa na Igreja, “nas escolas, quando há indícios de abuso por parte de algum profissional, abrem-se de imediato processos de averiguações, suspensões preventivas e reporte às autoridades. Não há silêncio ou deslocação do profissional para outra escola”.

“Como católico, entristece-me profundamente que a posição oficial da Igreja portuguesa seja esta”, escreveu o governante, declarando ter “uma esperança quase nula” quanto à efectiva capacidade de actuação das comissões que as 21 dioceses criaram por imposição do Papa Francisco para prevenir e lidar com eventuais queixas de abuso sexual perpetrado por padres e outros membros da Igreja.

Quanto ao que se passa nos estabelecimentos de ensino, João Costa lamenta que o bispo auxiliar de Lisboa pareça ignorar que “a todos os profissionais que trabalham com crianças nas escolas e que as acompanham é exigido registo criminal como parte do que atesta da sua capacidade para trabalhar com menores”.

De resto, o secretário de Estado sublinha que quaisquer sinais que podem indiciar situações de abuso são detectados pelos professores e técnicos e “são sempre encaminhados para as CPCJ [comissões de Protecção de Crianças e Jovens em risco], onde trabalham centenas de profissionais que asseguram esta ligação”. E, apontando ainda a existência nas escolas de psicólogos capazes de propiciar “o ambiente seguro para reportar eventuais abusos”, João Costa faz questão de lembrar que, “em todas as escolas, por vezes contra ventos e marés e contra sectores ultraconservadores, é promovida uma educação sexual que contempla nos referenciais a tomada de consciência por parte dos alunos do facto de que os outros não têm direitos sobre o seu corpo e as formas de pedir ajuda”.

Mais um caso investigado em Viseu

“O mito diz que as avestruzes enfiam a cabeça na areia por medo. Na verdade, estão apenas a alimentar-se e a detectar a proximidade de predadores pelas vibrações no solo”, conclui ainda João Costa.

Esta quarta-feira foi conhecido mais um alegado caso de abuso sexual cometido por um padre de Viseu, suspeito de enviar mensagens de teor sexual a um menor de 14 anos de idade. A situação terá sido denunciada pelo pai do menor ao Ministério Público, onde o caso está a ser investigado.

A diocese de Viseu reconheceu, pela voz do responsável pela Comissão Diocesana de Protecção de Menores e Adultos Vulneráveis, que tem dois casos de abusos sexuais em investigação. No caso tornado público pelo Correio da Manhã, o padre em causa pediu ao bispo D. António Luciano para ser afastado da vida activa e escreveu no Facebook que a sua retirada se deveu ao facto de se sentir “doente, cansado, com imensos outros trabalhos, com problemas pessoais motivados por venenos e conjuras”. O bispo decidiu, entretanto, suspendê-lo preventivamente, e a respectiva comissão garantiu ter feito todas as diligências para recolher provas e “produziu um relatório final que fez chegar às entidades competentes, nomeadamente do Ministério Público e às instituições que, dentro da Igreja, tratam das questões do foro canónico”.

Em Maio, quando o PÚBLICO fez uma ronda pelas dioceses questionando as respectivas comissões sobre a existência de queixas relativas a abusos sexuais por membros do clero, a diocese de Viseu optou por não responder. Agora, o coordenador da comissão, o advogado Luís Coimbra, acabou por reconhecer, citado pela Renascença, que, além deste caso, há outra suspeita que tem processo aberto. Algumas denúncias chegadas à comissão, desde que esta foi criada em Fevereiro de 2020, estão suspensas devido às dificuldades em identificar as vítimas.

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