O ataque de certas ordens profissionais a Portugal

Muitas das declarações do senhor bastonário da Ordem dos Advogados em artigo no PÚBLICO ou resultam de ignorância ou da má-fé de quem tenta defender os interesses da sua “quintinha”.

É com um certo descaramento, mas sem surpresa, que o bastonário da Ordem dos Advogados acusa o PS de atacar as ordens profissionais. Como a opinião pública não deve ser manipulada, temos por dever de função esclarecer os cidadãos que muitas das declarações proferidas pelo senhor bastonário em artigo de opinião publicado no PÚBLICO, de 11 de outubro, ou resultam de ignorância ou da má-fé de quem tenta defender os interesses da sua “quintinha”. Senão vejamos.

A iniciativa do PS para alterar a Lei 2/2013 (regime jurídico geral das ordens profissionais) não visa atacar as ordens profissionais, mas tão-só dignificar e reforçar a sua missão, que é servir o interesse público. Garantir que exercem com isenção e independência o seu poder-dever de regular deontologicamente uma profissão e de defender, através do seu poder disciplinar, os destinatários de serviços profissionais, reforçando, assim, a confiança nos seus profissionais. E é esta a missão que justifica que uma ordem profissional seja uma associação pública a quem o Estado delega poderes. Por isso é que em lado nenhum se lê no artigo 5.º da lei que define as atribuições das ordens que é sua missão defender os interesses dos seus associados. Isto porque, numa democracia, a defesa de interesses de uma classe de profissionais é essencial, mas é a missão dos sindicatos ou de associações privadas livremente criadas. Por isso, a lei proíbe a atividade sindical das ordens, pois são associações públicas com poderes regulatórios e disciplinares delegados pelo Estado, que devem orientar a sua missão apenas pelo interesse público.

Não é verdade que esta iniciativa pretenda revogar a missão das ordens de defender o interesse dos destinatários dos serviços. A alínea a) do n.º 1 do art. 5.º (e não 3.º) da lei a que o sr. bastonário se refere mantém-se inalterada. Apenas é fundida com a alínea b), para tornar clara a primeira missão das ordens que já resulta da lei: defender os interesses gerais de uma profissão, respeitando os interesses dos destinatários dos serviços.

A insinuação de que se trata de uma reação do PS a alguns episódios surgidos durante a pandemia é tão-só falaciosa, como facilmente se demonstra. Esta reforma resulta de recomendações da OCDE e da UE, feitas de forma reiterada há anos. Consta do programa eleitoral do PS de 2019 (p. 38) e foi anunciada publicamente pela líder da bancada socialista, Ana Catarina Mendes, em fevereiro de 2020. As recomendações internacionais que esta reforma visa concretizar foram discutidas com as ordens, representantes de profissionais, sindicatos, associações de estudantes e sociedade civil. Este processo de audições teve início no dia 6 de março de 2020, com uma reunião com o CNOP (onde estiveram presentes quase todos os bastonários). Prosseguiu com reuniões bilaterais. A primeira foi com o bastonário da Ordem dos Advogados, no dia 9 de março. A OMS decretou o início da pandemia em 11 de março de 2020 e o país entrou em confinamento. Como o PS não tem uma “bola de cristal” ou o dom de adivinhar o futuro, insinuar que este projeto de lei é uma reação a episódios que sucederam muito depois de esta iniciativa ser lançada e debatida é um absurdo ou resulta da má-fé daqueles que, entrincheirados numa visão atávica do país, alimentam uma “teoria da conspiração” para evitar, a qualquer custo, a alteração do statu quo.

Também afirmar que o Governo quer controlar as ordens é um absurdo. Não existe nesta iniciativa legislativa nada que coloque em risco o autogoverno e a autonomia funcional das ordens. O órgão de supervisão independente e com pessoas externas à ordem já está previsto na lei. Esta iniciativa apenas densifica as suas competências e reforça a sua independência, obrigando a que tenha pessoas externas e independentes. Em qualquer caso, continuará a ser um órgão democrática e livremente eleito pelos profissionais. Também o provedor dos destinatários dos serviços já está previsto na lei. Apenas se pretende que seja obrigatório, cabendo ao bastonário (e não ao Governo) a sua escolha de entre uma lista de personalidades cujo perfil para defender, com independência, os consumidores de serviços profissionais foi previamente avaliado pela entidade pública de defesa dos consumidores. Ver nestas duas medidas uma ingerência governamental nas ordens só pode ser fantasia de quem apenas está preocupado com a defesa do “pequeno poder fáctico”, em prejuízo do interesse público, do direito dos jovens de aceder a uma profissão, da economia, em suma, de Portugal.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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