Governo britânico pede “novo acordo” com a UE sobre a Irlanda do Norte

Num discurso em Lisboa, o secretário de Estado britânico para os assuntos do “Brexit”, David Frost, acusou a União Europeia de usar as questões comerciais para tentar reverter o resultado do referendo de 2016.

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David Frost insiste no fim do envolvimento do Tribunal de Justiça da União Europeia EPA/ANDY RAIN

O secretário de Estado britânico responsável pelas relações com a União Europeia (UE), David Frost, considera que só um novo Protocolo da Irlanda do Norte — ou a introdução de “mudanças significativas” ao acordo que está em vigor poderá “tirar o veneno” das relações entre Londres e Bruxelas.

Num tom desafiador, num discurso proferido na embaixada do Reino Unido em Lisboa, esta terça-feira, Frost voltou a dizer que o Governo britânico admite deixar de cumprir as cláusulas do Protocolo da Irlanda do Norte se Bruxelas não aceitar as mudanças exigidas por Londres.

“O Protocolo da Irlanda do Norte é a maior fonte de desconfiança entre nós”, disse Frost. “Há um sentimento generalizado no Reino Unido de que a UE tentou usar a Irlanda do Norte para encorajar algumas forças políticas a reverterem o resultado do referendo do ‘Brexit’, ou pelo menos a manter-nos mais alinhados com a UE.”

Resposta da UE

O discurso de Frost surge na véspera da resposta da UE aos insistentes pedidos britânicos para uma reforma profunda do Protocolo da Irlanda do Norte, sendo quase certo que as propostas do lado europeu vão ficar aquém das exigências de Londres.

O Protocolo da Irlanda do Norte faz parte dos acordos do “Brexit” que foram assinados pelo Reino Unido e pela UE em finais de 2019. E foi criado para evitar o regresso das barreiras físicas na Irlanda, o que poderia voltar a inflamar os nacionalismos nos dois lados.

Para que a circulação de mercadorias entre a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) e a República da Irlanda (membro da UE) não seja interrompida por uma fronteira física, o protocolo impõe a realização de controlos aduaneiros entre as nações do Reino Unido na Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e Gales) e a Irlanda do Norte.

O Governo britânico tem vindo a exigir à UE que facilite a circulação de mercadorias no interior do Reino Unido e que retire ao Tribunal de Justiça da União Europeia a função de supervisor.

“O que é que custa à UE negociar um novo acordo? Não custa muito, em nosso entender”, disse Frost no discurso em Lisboa.

“Não há nenhuma ameaça ao mercado único nas nossas propostas. Não estamos a pedir alterações a acordos que existem no interior da UE. E não queremos generalizar as regras especiais para a Irlanda do Norte a qualquer outro aspecto do nosso relacionamento”, disse o governante britânico.

UE “vai dizer basta"

Numa reacção ao discurso de Frost, o vice-primeiro-ministro da República da Irlanda, Leo Varadkar, disse que vai ser “muito difícil” aceitar as mais recentes propostas do lado britânico, principalmente a retirada do Tribunal de Justiça da União Europeia de todo o processo.

“Em última análise, o papel do Tribunal de Justiça da União Europeia é o de tomar decisões sobre as regras do mercado único”, disse Varadkar, referindo-se ao facto de a Irlanda do Norte ter permanecido, para todos os efeitos, no mercado único europeu após o “Brexit”.

Na segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros da República da Irlanda, Simon Coveney, disse que o Governo britânico sabe que a UE não pode recuar na questão do tribunal. E deixou um aviso: “Há-de chegar o momento em que a UE diz ‘basta’, e acho que estamos muito perto desse momento.”

O secretário de Estado britânico não contribuiu para aliviar a tensão, esta terça-feira, ao acusar a UE de não querer resolver a questão irlandesa porque está interessada em sabotar o “Brexit”.

“O Protocolo da Irlanda do Norte foi um abuso da UE num momento em que as negociações com o Reino Unido estavam num impasse, e não pode, por isso, permanecer na sua actual configuração”, disse Frost. “Por isso, repito, e para concluir: vamos ser ambiciosos e chegar a acordo para um futuro melhor.”

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