Golo francês que valeu uma Liga das Nações é legal?

A lei pede que Eric Garcia consiga ler o fora-de-jogo e decida não arriscar tocar na bola, confiando que o adversário será punido. No entanto, todos percebem que o jogador francês influi na decisão do espanhol. E o que diz a lei sobre isto?

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O golo de Kylian Mbappé que valeu à França a conquista da Liga das Nações de futebol é 100% legal e a vitória não ficou beliscada por um erro da equipa de arbitragem. É um lance não passível de interpretação ou análises subjectivas, tal como mostra a opinião de diversos especialistas nas últimas horas.

Dado o veredicto, simples e directo, importa perceber por que motivo o 2-1 da França foi legal – e esse motivo é tudo menos simples e directo.

O lance é fácil de descrever: um passe entre dois colegas franceses foi interceptado por um adversário espanhol. A intercepção foi defeituosa e a bola sobrou para o francês goleador, que estava em posição de fora-de-jogo – e é importante este detalhe: estava em posição de fora-de-jogo e não em fora-de-jogo.

Entre as 17 Leis do Jogo, na Lei 11, que versa sobre os preceitos do fora-de-jogo, está escrito que “estar em posição de fora de jogo não constitui por si só uma infracção” e que “não se considera que um jogador tira vantagem da posição de fora-de-jogo quando recebe a bola de um adversário que jogou a bola deliberadamente”.

Não haverá dúvidas de que Eric Garcia, jogador espanhol que ficou na berlinda neste lance, jogou a bola deliberadamente – não foi um lance em que tenha levado com a bola ou em que tenha feito uma “defesa”, tentando interceptar um remate, por exemplo. Esta acção deliberada a tentar cortar a bola, ainda que atabalhoada pela falta de engenho do central, colocou Kylian Mbappé em jogo.

Por que motivo o francês poderia ser punido por infracção à Lei 11? Eventualmente, por se considerar que, como diz a lei, “tentou claramente jogar a bola que se encontra perto quando esta acção tiver impacto num adversário ou toma uma acção óbvia que tenha um impacto claro na capacidade de o adversário jogar a bola”.

E é aqui que reside grande parte do problema. Na letra da lei, não se considera que Mbappé estava perto o suficiente de Eric Garcia para o atrapalhar, levando a que o corte fosse defeituoso, e muito menos que o francês tentou disputar a bola, que obstruiu o campo de visão do adversário ou que o impediu de a jogar. Segundo os preceitos da lei, Mbappé nada fez activamente para perturbar o gesto técnico de Garcia e é isso que o “protege” de punição. E a lei é clara nisso  erradamente ou não.

No entanto, é praticamente unânime que Eric Garcia só arriscou o corte pelo facto de Mbappé lá estar. No fundo, em sentido figurado, a lei “pede” que Eric Garcia consiga ler o fora-de-jogo e decida não tocar na bola, confiando que o adversário será punido. E é esta a injustiça do lance, dado que todos percebem que o jogador francês influi na decisão do espanhol, mesmo que a lei não permita puni-lo pela falta de alguma acção contra o adversário.

Limbo moral para o árbitro

O próprio Eric Garcia já abordou a questão. “A bola é lançada para as minhas costas e tento disputá-la taco a taco com Mbappé, que está fora-de-jogo. O árbitro disse-me que tenho intenção de jogar a bola. Essa é a regra. É uma jogada que está claramente fora de jogo, em que um defesa nunca na vida se pode escusar de disputar a bola”, argumentou.

Também o atacante Oyarzabal deu opinião, dizendo mesmo que quem impôs esta regra “nunca jogou futebol”. “Todos nós que jogamos futebol vimos que é fora-de-jogo. Quem impôs esta regra nunca jogou futebol e não sabe o que se passa. Eric não quer jogar a bola, quer cortar. O árbitro entende que ele quer jogar. É algo que deve mudar”.

Em suma, trata-se de um caso em que o árbitro Anthony Taylor e a sua equipa estavam num limbo moral entre aplicarem a lei, estando reféns de conceitos como “interferir”, “influenciar” ou “ter impacto”, ou tentarem aplicar o espírito da lei, deixando de lado o livro e decidirem de acordo com “aquilo que o futebol espera” – uma premissa tantas vezes “injectada” nas cabeças dos árbitros como a lei do bom senso.

Numa final de uma competição, com todo o mundo a ver, a decisão só poderia ser a primeira, a de cumprir a lei, sob pena de impedirem a França de vencer com base no incumprimento de uma regra. E isso, sim, daria pano para mangas.

O tema fica, portanto, nas mãos de quem faz a lei que obriga os defensores a decidirem se querem jogar a bola e que obriga os árbitros a cometerem uma certa injustiça, sabendo que estão a cometê-la e nada podendo fazer para a evitar. Para o futuro, tem a palavra o International Board.

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