Do Estado de direito ao ambiente: as arenas de confronto entre a Polónia e a UE

A crise aberta pela decisão do Tribunal Constitucional polaco de não reconhecer o primado do direito europeu é o culminar de anos de forte tensão entre Varsóvia e Bruxelas.

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Protesto em frente ao Tribunal Constitucional polaco contra a decisão desta semana Radek Pietruszka / EPA

Desde que o partido Lei e Justiça (PiS) regressou ao poder em 2015 que a relação entre a Polónia e a União Europeia tem sido marcada por uma forte tensão institucional que deixa o país de 38 milhões de habitantes à beira de uma saída do bloco europeu.

Estado de direito

Uma das prioridades do Governo ultranacionalista assim que chegou ao poder foi levar a cabo uma extensa reforma judicial que rapidamente fez soar os alarmes em Bruxelas. Entre os aspectos mais preocupantes está o processo de nomeação de juízes em todos os tribunais, desde os de topo como o Tribunal Constitucional ou o Supremo até aos de primeira instância, que passou a estar dependente de uma comissão parlamentar dominada pelo PiS e por um novo órgão, o Conselho Nacional do Judiciário. Foi também criada uma câmara disciplinar, com poderes para punir juízes, considerada ilegal este ano pelo Tribunal de Justiça da UE (TJUE), que exigiu a sua extinção.

Clima

A Polónia foi o único dos 27 Estados-membros da UE a rejeitar comprometer-se com as metas comunitárias de atingir a neutralidade carbónica até 2050. O Governo de Varsóvia argumentou que, dada a enorme dependência energética da indústria e da população em relação ao carvão, a meta teria de ser ajustada. Em resposta, Bruxelas bloqueou cerca de metade dos fundos comunitários destinados à Polónia enquanto esse compromisso não fosse fechado.

No mês passado, o TJUE condenou a Polónia a pagar uma multa diária de 500 mil euros pela recusa em encerrar uma mina de carvão perto da fronteira com a República Checa. O Governo de Praga diz que a actividade da mina está a prejudicar a qualidade da água, mas Varsóvia entende que não pode encerrar o local por ser fundamental para o fornecimento de electricidade.

Direitos LGBTQ+

Desde 2019 que perto de cem regiões polacas, com o apoio do PiS, se têm autoproclamado “zonas livres de LGBT”, um rótulo que os seus defensores dizem servir apenas para proteger os valores da “família tradicional”. Essa categorização é sobretudo simbólica, mas é entendida como um ataque aos direitos fundamentais das comunidades LGBTQ+, para além de permitir que as autoridades regionais e municipais dificultem o trabalho de associações que apoiam as minorias sexuais. A UE condenou estas decisões e ameaçou bloquear os fundos de coesão para as regiões em causa, levando a que algumas voltassem atrás.

Liberdade de imprensa

Em Setembro, a organização Repórteres Sem Fronteiras declarou o “estado de emergência para a liberdade de imprensa” na Polónia, acusando o Governo do PiS de tirar espaço de manobra aos media independentes do país. Em causa está um diploma legislativo conhecido como “Lex TVN” que pode, no limite, forçar a TVN24, um canal informativo independente, a perder a licença de emissão. O Parlamento Europeu considerou esta lei uma “tentativa para silenciar os conteúdos críticos e um ataque directo ao pluralismo dos media”. O diploma foi rejeitado pelo Senado, onde a oposição está em maioria, mas a câmara baixa do Parlamento pode ainda viabilizá-lo. A UE tem também criticado o que diz ser as tentativas por parte do Governo polaco de instrumentalizar os meios de comunicação, sobretudo os públicos.

Bloqueio de decisões

A modalidade de votações por consenso em que muitas das decisões mais cruciais são tomadas pelo Conselho Europeu oferece a países como a Polónia, frequentemente em conjunto com a Hungria, a oportunidade para funcionar como força de bloqueio. A maior demonstração dessa coligação negativa aconteceu quando os dois Estados-membros se recusaram a aprovar o orçamento comunitário no final do ano passado que incluía o Programa de Recuperação e Resiliência para ser distribuído pelos 27 para a reconstrução económica no período pós-pandémico. Na altura, estava em causa a oposição de Varsóvia e Budapeste à iniciativa de Bruxelas de fazer depender a libertação dos fundos ao respeito pelo Estado de direito.

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