A diferença é que Biden é um cavalheiro

Biden não alterou as principais prioridades da política externa dos EUA. Ficou tudo na mesma. A diferença é que, ao contrário do seu antecessor, Biden é um cavalheiro.

A parceria entre os Estados Unidos da América, Reino Unido e Austrália para cooperação tecnológica e militar na região da Ásia-Pacífico não agrada nem a chineses nem a europeus, por diferentes, mas óbvias, razões. A primeira é geoestratégica. Apetrechar a Marinha australiana com submarinos movidos a energia nuclear significa que aquele país se torna num privilegiado aliado norte-americano na região, o que é um aviso claro às pretensões chinesas, que este acordo pretende conter, patentes nas habituais manobras militares. Mas significa também um reforço da corrida ao nuclear.

O primeiro-ministro da Austrália repetiu desde a sua tomada de posse, há três anos, que não iria escolher entre os EUA e a China. O acordo formalizado na noite desta quarta-feira e anunciado no dia seguinte prova o contrário. Scott Morrison escolheu um lado. Era inevitável. Joe Biden é o terceiro inquilino consecutivo de Washington a eleger a Ásia-Pacífico como espaço geoestratégico prioritário, em detrimento da velha relação com os espaços europeus. Mas não só: Nova Zelândia e o Canadá também não foram incluídos na parceria.

Na prática, para descontentamento das principais capitais europeias, Biden não alterou as principais prioridades da política externa dos EUA. Ficou tudo na mesma. A diferença é que, ao contrário do seu antecessor, Biden é um cavalheiro. A promessa de multilateralismo e de maior aproximação transatlântica foi apenas uma enunciação simpática, como se vê até pela atabalhoada e descoordenada saída do Afeganistão, sem qualquer atenção pelos aliados que embarcaram na aventura. Os seus olhos estão no Pacífico. É aqui que se situa o tabuleiro do embate estratégico com a China, que classifica a parceria como reflexo de uma “mentalidade de Guerra Fria e um preconceito ideológico”.

Esta parceria tem um outro lado que desagrada bastante à União Europeia e à França, em particular: trata-se, também, de um avultado negócio. A Austrália cessou o contrato com uma empresa francesa, à qual tinha encomendado, em 2016, a renovação da sua frota de submarinos por 31 mil milhões de euros. Em suma, a UE nem foi consultada sobre esta parceria geoestratégica, o que motivou o protesto de Josep Borrell, responsável pela sua política externa, e um dos seus Estados-membros perdeu um grande negócio, o que não agradou a Jean-Yves Le Drian, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês. Inevitável.

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