A revolução da bicicleta já começou e não vai parar

Já ninguém duvida que as bicicletas vieram mesmo para ficar. E ainda bem. É que, sem elas, será impossível ter cidades sustentáveis, como ficou claro ao longo da conferência Velo-city 2021.

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Leonor Patrocínio / Dário Paraíso
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,Corrida de bicicleta de estrada
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Se dúvidas houvesse, estas ter-se-iam dissipado por completo ao longo dos quatro dias em que decorreu a Velo-city 2021, a maior reunião mundial dedicada à mobilidade em bicicleta, que se realizou entre os dias 6 e 9 de Setembro, em Lisboa. Entre os vários oradores – e foram cerca de três dezenas, oriundos de vários países e todos com elevado conhecimento sobre o tema – ficou bem patente a conclusão de que, sem a bicicleta, não será possível cumprir o que todos queremos: cidades mais sustentáveis e amigas dos cidadãos. Isso mesmo sublinhou, logo no primeiro dia, Frans Timmermans, vice-presidente executivo da União Europeia (UE): “A revolução da bicicleta está a acontecer e vai tornar-se mais forte, garanto-vos.” Nas suas palavras, “a bicicleta é o meio de transporte mais sustentável e devia tornar-se o símbolo da mudança que pretendemos”. Referindo-se aos objectivos de sustentabilidade estabelecidos para 2030, reconheceu ainda que “esta é uma oportunidade fantástica para a bicicleta”, concluindo que não imagina “como é que uma cidade se torna neutra em termos climáticos sem a bicicleta”.

Mensagem idêntica foi deixada já no encerramento do evento por Jill Warren, CEO da Federação Europeia de Ciclistas (ECF, na sigla em inglês), a qual reforçou que “não há forma possível de atingir os objectivos de desenvolvimento sustentável, o Acordo Verde Europeu ou conseguir cidades neutras para o clima sem um significativo aumento do ciclismo”.

Também Miguel Gaspar, vereador com o pelouro da Mobilidade na Câmara Municipal de Lisboa, falou no mesmo sentido, defendendo a necessidade do uso da bicicleta na capital. “O planeta vai cá continuar, mas para nós estarmos cá no planeta temos de ter condições para isso”, afirmou, acrescentando que “queremos dar um passo em frente, mas isso não é possível sem bicicleta”.

Ainda no primeiro dia da Velo-city 2021, João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente, reforçou a convicção partilhada por todos, mostrando-se certo de que “a bicicleta, com a ajuda da bicicleta eléctrica, é o futuro”.

Diversidade é poder

Organizada em torno do tema “Diversidade em bicicleta”, a reunião foi um reflexo perfeito dessa diversidade e inclusão, desde as temáticas discutidas aos participantes entusiastas, que totalizaram cerca de 750 presentes na Feira Internacional de Lisboa (FIL) e mais de mil a acompanhar as sessões online, oriundos de 45 países. Para todos, ficou evidente que andar de bicicleta é a melhor forma de a sociedade se juntar mais e melhor, ficando mais forte. Esta foi também a mensagem principal deixada por quem participou no plenário de abertura, com Henk Swarttouw, presidente da ECF, a constatar que actualmente “andamos mais de bicicleta, percorremos distâncias maiores e usamos bicicletas diferentes, somos mais diversificados em termos de idade, género, origem social e razões por que andamos de bicicleta”, concluindo que “esta diversidade é a nossa força”.

Ainda assim, se nalguns locais a bicicleta está a conseguir uma aceitação espantosa – e a pandemia veio favorecê-lo – noutros há ainda que levar a cabo uma profunda alteração de mentalidades, a que a política não pode ser alheia, como contou Erion Veliaj, presidente da Câmara Municipal de Tirana (Albânia). Esse foi precisamente o caso de Manuel de Araújo, presidente da Câmara Municipal de Quelimane (Moçambique), que partilhou como a bicicleta o ajudou a ser eleito, já que ficou conhecido por se deslocar sempre de bicicleta, até mesmo durante a campanha eleitoral, num país onde o carro é visto como símbolo de poder económico: “Transformei a bicicleta numa ferramenta política. Ao fazê-lo, chamei um grupo de pessoas excluídas para a política e, hoje, as pessoas que andam de bicicleta são vistas como cidadãos de primeira classe na cidade.”

De bicicleta vamos mais longe

“Os nossos países precisam da bicicleta como uma forma sustentável de apoiar as áreas rurais, dando às pessoas a possibilidade de sair do caminho convencional”, afirmou Alessandra Priante, directora do Departamento Regional Europeu da Organização Mundial do Turismo, consubstanciando aquilo que os ciclistas sabem bem: que a bicicleta permite não só explorar territórios fora dos circuitos habituais – o que é valioso para um turismo que se pretende sustentável – como também para um desenvolvimento económico mais verde.

Esperança no futuro foi, pois, outra mensagem deixada ao longo da Velo-city 2021. “A UE definiu colectivamente leis climáticas vinculativas; já não é uma questão de saber se o fazemos, mas como o fazemos”, sustentou Matthew Baldwin, vice-director da Direcção Geral da Mobilidade e dos Transportes da Comissão Europeia e Coordenador Europeu para a Segurança Rodoviária, que chegou a Lisboa, vindo de Bruxelas, após pedalar mais de três mil quilómetros.

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Por seu turno, e para apoiar um caminho mais sustentável, Philippe Crist, conselheiro de inovação e prospectiva no Fórum Internacional dos Transportes, defendeu que “temos de ter a mobilidade activa no centro da nossa inovação tecnológica”. Chamou ainda a atenção para outro ponto crucial: “A maior história de sucesso da mobilidade eléctrica não é a substituição de carros poluentes por carros não poluentes, mas a utilização de bicicletas e scooters eléctricas.” Nesse sentido, frisou que “o ciclismo dá esperança” e, mesmo admitindo que “a bicicleta não vai resolver todos os desafios”, diz-se convencido que “um mundo cheio de ciclistas será um mundo em que estes desafios estão a caminho de ser resolvidos”.

Quem está no caminho certo para apoiar esta revolução em curso é Portugal, com Gil Nadais, secretário-geral da ABIMOTA - Associação Nacional das Indústrias de Duas Rodas, Ferragens, Mobiliário e Afins, a destacar que o nosso país tem várias fábricas de referência – nomeadamente, as maiores fábricas de montagem de bicicletas, construção de rodas, de correntes e de porta-bebés para bicicletas – assumindo um lugar relevante no panorama mundial. É que ainda que Portugal disponha de mais de 15 mil quilómetros de rotas cicláveis, como indicou Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal, apenas 8% da produção nacional de bicicletas fica em Portugal, sendo o restante destinado a exportação, referiu Gil Nadais, constituindo o nosso país o maior produtor de bicicletas da Europa.

Pedalar pela saúde e pela felicidade

O contributo da bicicleta para um estilo de vida mais saudável foi outro tema em realce ao longo de toda a reunião, com vários oradores a enaltecerem o ciclismo como um exercício físico completo e adequado à maior parte das pessoas. Segundo Francesca Raciopi, chefe do Centro Europeu para o Ambiente e a Saúde da Organização Mundial da Saúde, “o ciclismo regular reduz a mortalidade em 10%”, não sendo necessários treinos intensivos, mas apenas uma “prática de exercício moderado com a duração de 30 minutos por dia”. Como tal, apelou a que os Estados-membros “se unam numa declaração conjunta em que se inclua o ciclismo” e onde este “deve ser reconhecido como um poderoso meio de melhorar a saúde”.

Se há um impacto positivo na saúde de quem pedala, não é menos verdade que o mesmo acontece no humor. E várias foram as referências ao longo dos quatro dias a este facto, o qual assume uma extrema importância na qualidade de vida dos cidadãos. Miguel Gaspar explicou-o de forma lapidar, angariando aplausos da assistência: “Há uma grande diferença entre um carro autónomo e uma bicicleta, é que não se assobia dentro de um carro autónomo, mas podemos fazê-lo numa bicicleta, somos mais felizes.”

A força (e a inovação) de nos juntarmos

Um dos temas mais desafiantes para a indústria do ciclismo prende-se precisamente com as inovações relacionadas com as soluções de transporte inteligente e autónomo. Kevin Maine, CEO da Cycling Industries Europe, enfatizou que a indústria do ciclismo não se deve sentir intimidada ou menosprezada, mas, pelo contrário, deve ser ambiciosa nos pedidos de investimento que faz à UE. Na sua perspectiva, é sobretudo importante que todos se unam, “pois se não fizermos isso, seremos sempre uma pedra atirada ao lago e não o tsunami que queremos ser”.

A necessidade de união foi amplamente destacada pela generalidade dos conferencistas, com Miguel Gaspar a sustentar que “as cidades precisam de ser menos gestoras de infra-estrutura e mais gestoras de mobilidade, mas, para isso, precisamos de estar ligados”.

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Sessão histórica – mulheres e ciclismo

Um dos momentos altos da Velo-city 2021 aconteceu ao terceiro dia, durante a sessão dedicada à rede Women in Cycling. Isto porque foi a primeira vez, desde o início do evento, em 1980, que o palco foi ocupado exclusivamente por mulheres. Lançada em Fevereiro deste ano, a rede tem como objectivo ajudar as mulheres a conseguirem maior visibilidade, impacto e liderança no sector do ciclismo.

As mulheres estiveram também em maioria absoluta na apresentação dos três projectos finalistas do prémio Smart Pedal Pitch 2021, um concurso internacional de soluções tecnológicas inovadoras destinadas à mobilidade ciclável nas cidades. A solução vencedora foi a Onsee, apresentada por Liz Yu, e tem como objectivo garantir a segurança de quem pedala, já que tem por base uma pequena câmara, que pode ser facilmente instalada na bicicleta, e que fornece toda a informação recolhida durante os trajectos realizados. Esta informação é depois convertida em mapas com a indicação dos locais percorridos onde mais facilmente acontecem situações de perigo.

Outro momento inesquecível da edição deste ano aconteceu durante o habitual desfile de bicicletas, em que centenas de entusiastas da bicicleta pedalaram juntos, percorrendo as ruas de Lisboa desde o Parque das Nações até à zona da Baixa, contagiando todos com a alegria que caracteriza quem anda de bicicleta.

Pedalar como “o novo normal”

A necessidade de repensar as cidades com vista a devolvê-las aos cidadãos esteve igualmente em cima da mesa, com a bicicleta a ser encarada como “o novo normal”. Mas, para que isso aconteça globalmente muito tem de ser feito e uma das soluções poderá passar pela “cidade de 15 minutos”, conceito cunhado por Carlos Moreno, investigador de renome internacional, especialista em urbanismo e professor na Universidade de Paris 1, segundo o qual tudo numa cidade – desde as escolas aos serviços de saúde, passando pelos locais de trabalho - deve estar organizado de forma a não distar mais de 15 minutos a pé ou de bicicleta a partir de casa. Paris é uma das cidades que está a pôr o conceito em prática, assim como Milão (Itália), Otava e Montreal (Canadá), Buenos Aires (Argentina), entre muitas outras.

Alinhada com a necessidade de se retirar espaço aos carros para o entregar aos habitantes, Elke Van den Brandt, ministra da Mobilidade, Obras Públicas e Segurança Rodoviária da região de Bruxelas-Capital (Bélgica), deu conta de como o espaço urbano está a ser reclamado activamente pelos cidadãos na sua cidade: “Desbloqueámos a ideia de que podemos recuperar a nossa cidade novamente; não temos de aceitar que vivemos numa cidade projectada para receber carros.” E porque a revolução está mesmo em curso, Jeremy Yap, representante da direcção executiva da Land Transport Authority de Singapura resumiu no plenário de encerramento o que todos podemos fazer por cidades mais sustentáveis: “Se armarmos as bicicletas para a defesa da cidade verde, podemos ser agentes de mudança.”

Já nos momentos finais, a ocasião foi ainda aproveitada para a passagem de testemunho à próxima cidade anfitriã do evento - Liubliana (Eslovénia) - com a entrega da bandeira da Velo-city ao vice-presidente daquela cidade, Janez Kozelj, que momentos antes tinha deixado claro que “o único futuro para as cidades é o ciclismo urbano”.

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