Acreditar lança petição para alargar licença pela perda de um filho para 20 dias

Ao longo dos 27 anos de existência, a associação Acreditar tem vivido com o sofrimento de pais que perdem um filho. “A dor eu não sei descrever, mas vejo que é incomensurável e que dura toda uma vida”, comentou Margarida Cruz, a directora-geral da associação.

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A casa da Acreditar acolhe famílias com filhos que estão a receber tratamentos no IPO Miguel Manso

A associação Acreditar lançou esta quarta-feira uma petição que propõe o alargamento da licença pela perda de um filho de cinco para 20 dias, defendendo que os pais não estão em condições de regressar ao trabalho num espaço tão curto. A petição já recolheu 400 assinaturas nas primeiras horas. 

A iniciativa é lançada no mês internacional de sensibilização para o cancro pediátrico (Setembro) que este ano a Acreditar dedica aos direitos dos cuidadores, que são sobretudo pais que passam por períodos “muito complexos”, desde o diagnóstico até à vivência de toda a doença, disse à agência Lusa a directora-geral da associação.

“Nós achamos que é importante alertar a sociedade portuguesa porque nem sempre eles estão em igualdade de circunstâncias com outras pessoas sobretudo porque estão em situações muito fragilizadas e merecem também um cuidado especial e é por isso que nós este ano optámos por falar de cuidadores”, disse Margarida Cruz.

É a primeira vez que a Acreditar faz uma campanha com o lançamento de uma petição, por se tratar de “uma questão muitíssimo forte”.

Ao longo dos 27 anos de existência, a Acreditar tem vivido com o sofrimento de pais que perdem um filho. “A dor eu não sei descrever, mas vejo que é incomensurável e que dura toda uma vida”, comentou.

Segundo Margarida Cruz estes pais “dependem imenso” da compreensão” das entidades patronais para terem um período de tempo que os ajude a recuperar psicologicamente, mas sobretudo fisicamente.

“Muitos deles passaram anos a acompanhar o filho doente, muitas vezes fora de casa, deixando os outros filhos entregues a um familiar e sozinhos e depois vêem-se confrontados com um período de luto que são cinco dias. Cinco dias não dá quase para tratar das tarefas burocráticas que estão inerentes à morte”, elucidou.

Por outro lado, a petição visa permitir que todos estejam “em igualdade de circunstâncias”, porque há muitas entidades patronais que entendem e dão mais dias do que o previsto na lei a estes pais, mas nem todos conseguem.

Muitas vezes são os estão em situações mais frágeis do ponto de vista social e económico que não o conseguem, disse Margarida Cruz, ressalvando que, mesmo para os pais em que o regresso ao trabalho possa ser um contributo positivo para o processo de luto, este período não chega.

“É por isso que lançámos esta petição com o mote “o luto de uma vida não cabe em cinco dias” e esperamos que toda a sociedade portuguesa entenda a legitimidade e a justiça daquilo que está inerente a esta petição e se associe a nós para que consigamos mudar as coisas”, defendeu.

Margarida Cruz também espera que esta iniciativa seja “uma oportunidade real” para se falar sobre o luto, uma questão “tão pouco falada”, e de como ajudar estes pais.

“Eu não estou a dizer a superarem [a perda], mas pelo menos a conseguirem viver com maior tranquilidade”, disse, sublinhando que estes pais precisam de apoio.

No momento da morte, todo se juntam à volta da família, mas depois não querem voltar a esse tema e os pais sentem-se sozinhos, querem continuar a poder falar dos seus filhos, das suas memórias.

Filipa Silveira e Castro, membro da direcção da Acreditar, perdeu o filho há oito anos e conhece bem as dificuldades de regressar ao trabalho, após o período de luto.

“Eu faço parte dos pais que acaba a temporada do IPO sem trabalho”, disse esta mãe à Lusa, contando que foi chamada quatro dias depois de ter perdido o filho e foi dispensada. “Mas durante esse período eu tive a oportunidade de pensar várias vezes: “como é que vou voltar a trabalhar na próxima semana"”, recordou.

Na altura, Filipa Silveira e Castro era coordenadora de uma equipa de engenharia. “Fazia dimensionamento de edifícios, um trabalho de grande responsabilidade, em que é preciso uma grande capacidade de análise”.

“Eu pensava: “isto tem tudo para correr mal, não tenho capacidade de concentração para analisar milhões de números” (...). Pensava em qualquer coisa, mas cinco minutos depois estava a pensar no Vasco e em tudo o que se tinha passado e isto levou semanas nesta incapacidade de me concentrar de forma responsável para desempenhar esse papel”, contou à Lusa.

“Estes cinco dias de facto não chegam para nós, pais, digerir aquilo que se passou, ainda estamos naquela fase de negação, estamos incrédulos”, disse, contando que se lembra de acordar durante 15 dias ou três semanas a pensar: “será que foi um pesadelo ou é mesmo real”.

Anualmente são diagnosticadas em Portugal cerca de 400 crianças com cancro, sendo a taxa de sobrevivência de cerca 80%.

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