As próximas eleições legislativas na Rússia podem trazer mudanças na Duma?

Mais do que a futura distribuição de mandatos, as eleições servirão para perceber se o eleitorado russo encontra uma oportunidade para concentrar os seus votos em forças políticas diferentes, na esperança de formar uma oposição organizada e capaz de ameaçar a hegemonia do Rússia Unida.

Entre os próximos dias 17 e 19 de Setembro realizam-se as eleições legislativas para a Duma, na Rússia. Ao contrário do que sucede em Portugal, que apresenta uma estrutura parlamentar unicameral, o Parlamento da Rússia é inspirado pelos modelos germânico e francês, sendo, portanto, bicameral. À luz do sistema eleitoral russo, os elementos do Conselho Federal (câmara alta) são eleitos indirectamente, enquanto os da Duma (câmara baixa) são eleitos directamente pelo povo para mandatos de cinco anos.

Para quem está habituado à realidade portuguesa não é fácil assimilar o conjunto de especificidades que caracterizam o sistema eleitoral para a Duma. Em traços gerais, falamos de um total de 450 mandatos, os quais são atribuídos de duas formas distintas: 225 são eleitos através da representação proporcional determinada a partir dos resultados obtidos por cada uma das listas partidárias e que concorrem num círculo único nacional, só sendo elegíveis os candidatos das listas que superem o limiar de votação de 5%; os restantes 225 lugares são atribuídos ao candidato mais votado em cada um dos 225 círculos eleitorais do país determinados em função da população de cada região (Moscovo-cidade tem 15 círculos eleitorais e São Petersburgo 8).

Em 2016, o partido Rússia Unida, que constitui a principal base de apoio do Presidente Vladimir Putin, conquistou 140 mandatos através do círculo único nacional (62,2% do total de lugares disponíveis) e 203 resultantes da vitória de cada um dos candidatos em 203 dos 225 círculos eleitorais (90%). No final, um partido que obteve 54,2% dos votos nacionais alcançou 76,2% da totalidade de lugares na Duma, os quais viabilizaram a introdução de uma revisão constitucional. Antes que se julgue que esta é uma inovação russa para favorecer a hegemonia do partido dominante, importa recordar que, embora tenda a excluir partidos com menor expressão da representação parlamentar, este sistema eleitoral não só não é recente – já havia sido iniciado em 1993 – como replica o exemplo germânico nas eleições para o Bundestag.

É preciso não nos deixarmos enganar pelos números finais. Os 203 mandatos conquistados individualmente em cada círculo eleitoral iludem, fazendo crer que o Rússia Unida está solidamente implantado em 90% do território. Repare-se que nos 15 círculos eleitorais da capital, onde o Rússia Unida venceu 13, só num deles o candidato apoiado por este partido teve mais de metade dos votos (Pyotr Tolstoy, com 50,7%). Nos restantes, oito obtiveram resultados iguais ou inferiores a 35% e houve mesmo quem conseguisse a eleição com apenas 26% (Gennady Onishchenko). Se olharmos para os restantes casos, constatamos que mais de metade (112) dos 203 lugares conquistados foram obtidos por maioria simples.

Significa isto que a atomização partidária tende a favorecer a afirmação política que o Rússia Unida tem na Duma desde 2016. Apesar dos apelos constantes de Alexei Navalny para que os russos concentrem os votos no candidato local com maior probabilidade de derrotar o da Rússia Unida (o que chama de “voto inteligente”), é pouco provável que essa intenção possa ser concretizada com total eficácia em 2021: salvo casos pontuais, as diferenças de fundo entre os partidos de segunda linha tornam improvável que comunistas, liberais, conservadores-nacionalistas e socialistas votem num mesmo candidato e sacrifiquem o próprio rosto que apresentam. No final, a dispersão de votos tenderá a ser a nota dominante, viabilizando a transferência dos votos dos partidos que não conseguem superar o limiar de 5% no círculo único nacional em favor dos tradicionalmente mais votados.

Tudo isto merece reflexão se considerarmos que, em 2021, as sondagens indicam que a popularidade do Rússia Unida é drasticamente inferior à que tinha em 2016. Após as últimas eleições para a Duma, o Rússia Unida continuou a concentrar uma média de intenções de voto entre os 47% e 53% nas sondagens semanais conduzidas por três agências oficiais ao longo dos 18 meses seguintes. Os melhores números foram mesmo alcançados quando Vladimir Putin anunciou que se recandidataria à Presidência (54,4%) e quando venceu as eleições (53%).

Porém, em Maio de 2018, o Rússia Unida começou a perder popularidade com a recondução de Dmitri Medvedev como primeiro-ministro – actualmente, é até mais impopular do que Alexei Navalny, tendo sido substituído por Mikhail Mishustin. A situação do partido agravou-se a partir de 14 de Junho desse mesmo ano, quando Medvedev anunciou o aumento da idade da reforma. Passou rapidamente para números abaixo dos 40% ao mesmo tempo que as intenções de voto no Partido Comunista cresciam entre 2% e 4% e subiram as intenções de voto em partidos com menor expressão. O Rússia Unida encontra-se, solidamente, desde há um ano, com números entre 27% e 33%.

Neste quadro, e olhando para os resultados das eleições regionais de 2020, é expectável que o Rússia Unida perca entre 20 a 50 deputados, o que pode comprometer a ambição de segurar a maioria de dois terços (301) que tem neste momento (343). Essa provável perda resultará, em grande parte, da queda da popularidade do partido, gerada pelo aumento da idade da reforma e pelos constrangimentos económicos que ainda se fazem sentir no país.

Por outro lado, a perda pode ser agravada se se confirmar o que as projecções locais têm indicado nos últimos dias, a possível chegada à Duma de três novas forças políticas: o Pessoas Novas (com cerca de 7%), o Partido dos Pensionistas (8%) e o Yabloko (partido que contou com Alexey Navalny no passado e que tem crescido significativamente em São Petersburgo). Assim, é importante perceber que uma hecatombe eleitoral do Rússia Unida é de todo improvável, já que, independentemente das esperadas acusações de fraude, a oposição popular é desorganizada, o Partido Comunista ainda encabeça a oposição política sólida e estruturada ao Governo – sem, contudo, conseguir modernizar e adequar a sua mensagem – e a máquina partidária do Rússia Unida ainda se encontra refém da popularidade de Vladimir Putin (acima dos 60%).

No final, mais do que a futura distribuição de mandatos, as próximas eleições à Duma servirão para perceber se o eleitorado russo encontra neste sufrágio uma oportunidade para concentrar os seus votos em forças políticas diferentes, na esperança de formar uma oposição de facto organizada e capaz de ameaçar a hegemonia do Rússia Unida, num contexto em que, com a recente revisão constitucional, o Chefe de Estado ficou mais dependente do Parlamento.

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