Arqueólogos do Côa intrigados com cerva gravada por incisão

As mais recentes descobertas no sítio do Fariseu sugerem uma técnica diferente daquela que caracteriza a arte rupestre daquele vale.

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Esta incisão que representa uma cerva, pouco comum no Côa, é uma das mais recentes descobertas dos arqueólogos que continuam a explorar aquele território MIGUEL PEREIRA DA SILVA/lusa

As mais recentes descobertas no sítio do Fariseu, no Parque Arqueológico do Vale do Côa, intrigam os arqueólogos, devido a uma gravura que representa uma cerva, gravada com uma técnica diferente da da chamada Arte do Côa.

“A figura encontra-se, junto de outros traços incisos, distribuída por dois fragmentos que terão caído de um painel entretanto destruído. Para já, é com alguma segurança que podemos dizer que estas duas gravuras terão sido gravadas há mais de 14 mil anos, mas há algo que nos intriga”, explicou à Lusa o director científico da Fundação Côa Parque, Thierry Aubry“Encontrámos um fragmento de painel gravado que nada tem a ver com a chamada arte móvel, mas antes parte de um painel que se desprendeu e foi encontrado numa camada arqueológica”, disse o responsável, acrescentando que será preciso esperar pelos resultados das análises de luminescência a cargo de um laboratório na Dinamarca para saber com precisão a sua datação exacta.

Thierry Aubry frisou que esta “peça” não está relacionada com um painel descoberto em 2020, constituído por picotado. Trata-se neste caso de uma gravação por incisão de traço fino e gravura mais elaborada e pormenorizada.

Após escavações que decorreram em Maio junto à chamada “rocha 09” do Fariseu, que representa um dos principais núcleos de arte rupestre do Vale do Côa, classificados como Monumento Nacional e inscritos na Lista do Património Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, na sigla em inglês), foram encontrados 25 fragmentos de rocha com técnicas diferentes de gravação (picotagem e incisão).

“Estamos a falar de uma gravura com um traço muito fino de que não se conhece equivalente na arte do vale do Côa. Tenho fazer um registo comparativo para obter uma datação deste novo estilo de gravação, no contexto do Parque Arqueológico do Vale do Côa, onde há mais gravuras de cervas, mas não com esta técnica tão apurada, o que nos está a deixar intrigados”, vincou o arqueólogo.

Os arqueólogos sempre acreditaram no potencial rupestre da designada “rocha 09” do parque, que fica a cerca de 50 metros do rio Côa.

Para o arqueólogo André Santos, a importância deste achado deve-se ao seu aparecimento numa camada arqueológica que pode ser datada. “Isto é importante para datarmos um tipo de gravuras que temos no Vale do Côa que, até ao momento, não está bem datada cientificamente. Para já a única certeza que temos é que a gravura é anterior a 14 mil anos, já que a arte aplicada após esta data se torna diferente”, observou.

Por seu lado, a geóloga Sílvia Aires avançou que a formação destas rochas está inserida no complexo “Xisto-Grauváquico” do grupo Douro, caracterizado por baixa deformação e baixo grau de metamorfismo (rochas que resultam da transformação da rocha original).

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O director cientifico do Museu do Côa, Thierry Aubry, os arqueólogos Luís Luís e André Santos e a geóloga Sílvia Aires examinam os novos achados arqueológicos MIGUEL PEREIRA DA SILVA/LUSA

“O que nos interessa agora perceber é a formação das películas na superfície da rocha. O importante é saber se essas películas foram criadas de forma natural, antes ou depois de serem feitos os traços. Em alguns casos, já verificámos que os traços foram feitos depois da formação das películas porque os traços das gravuras são mais claros”, disse a geóloga.

Para a presidente da Fundação Côa Parque, Aida Carvalho, as gravuras do Côa têm uma imagem muito forte no segmento do turismo cultural e científico e esta descoberta vem reforçar esse posicionamento.

“As gravuras do Côa são um importante recurso de atracção turística ao território. Quem visita o museu questiona com frequência o conjunto de procedimentos e técnicas de datação das gravuras e esta figura poderá responder, em parte, a essa grande questão”, vincou a responsável pela fundação.

Aida Carvalho disse ainda que os arqueólogos e outros especialistas estão a trabalhar para incluir estes dois fragmentos na exposição permanente do Museu do Côa numa sala destinada ao tópico das datações, enriquecendo a experiência da visita.

A “Arte do Côa” foi classificada como Monumento Nacional em 1997 e como Património da Humanidade, pela UNESCO, um ano depois.

Como uma imensa galeria ao ar livre, o Vale do Côa apresenta mais de 1200 rochas, distribuídas por 20 mil hectares de terreno com manifestações rupestres, sendo predominantes as gravuras paleolíticas, executadas há mais de 25 mil anos, e distribuídas por quatro concelhos: Vila Nova de Foz Côa, Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel e Meda.

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