É tempo de acreditar na capacidade empreendedora dos nossos doutorados

Os doutorados, em virtude do tempo investido em investigação e desenvolvimento, são aqueles que têm maior capacidade de gerar inovação disruptiva. Inovação que dê origem a componentes e tecnologias de muito elevado valor acrescentado.

O povo português possui capacidades inatas de criatividade e empreendedorismo. A criatividade, aliada ao conhecimento, é a maior ferramenta para a inovação. A capacidade de inovação, nos tempos atuais, determina o progresso das nações. Portugal apostou em criar uma classe de jovens doutorados. Temos a oportunidade da ‘bazuca’ europeia. Conclusão: estão criadas as condições para Portugal dar o salto, ou pelo menos inverter, de forma clara, a tendência de empobrecimento progressivo face aos nossos competidores mais diretos.

Mas falta algo: é preciso acreditar na capacidade empreendedora dos nossos doutorados.

Sempre que aliámos conhecimento, criatividade, e empreendedorismo fomos bem sucedidos. Foi assim há séculos quando fomos desbravar novos mundos, em que demos origem a inovações tecnológicas disruptivas de apoio à navegação, foi assim recentemente com a ‘geração de ouro’ do futebol, e pode ser agora, se apostarmos novamente nesta simbiose conhecimento-criatividade-empreendedorismo.

Os relatórios europeus mostram as virtudes da trilogia acima descrita mas mostram também que persistimos em nos mantermos na cauda do pelotão. Se temos o potencial, e não estamos a conseguir os resultados esperados, é porque falta algo no processo.

As nossas entidades governativas têm apoiado a inovação das empresas, pequenas, médias e, mais recentemente, as grandes, normalmente de capital não português. Tem apoiado a integração dos jovens doutorados nas empresas, de diversas formas. Mas de entre as diversas estratégias levadas a cabo por diversos governos há uma que tem sido continuamente esquecida. Apoiar a criação de empresa tecnológicas, criadas por doutorados.

Os doutorados, em virtude do tempo investido em investigação e desenvolvimento, são aqueles que têm maior capacidade de gerar inovação disruptiva. Inovação que dê origem a componentes e tecnologias de muito elevado valor acrescentado.

A transferência destas inovações para empresas pequenas ou médias é difícil. Estas empresas estão vocacionadas para inovações incrementais nos seus próprios produtos e com as tecnologias existentes. As grandes empresas estão mais disponíveis mas, normalmente, estas são de capital não português, e têm o seu centro de interesses noutros países, para onde flui o essencial das inovações, incluindo os melhores recursos humanos.

Uma das opções mais estruturantes para o país é a de apostar na geração mais qualificada de sempre, dando-lhes oportunidades de criarem empresas de alto valor acrescentado.

Esta geração já demonstrou que é capaz de criar empresas tecnológicas campeãs no mundo. É o caso dos chamados unicórnios. Trata-se de empresas tecnológicas de grande crescimento que atingiram o valor de mil milhões de dólares. Temos 4 unicórnios criados nos últimos anos – Farfetch, Talkdesk, OutSystems e Feedzai –, que estão avaliados em €25,8 mil milhões. É porventura a primeira vez na história da economia portuguesa em que temos empresas de tecnologia fundadas por portugueses que são líderes mundiais na sua categoria. Isto mostra que Portugal está a ser capaz de produzir empresas de alto valor acrescentado à escala mundial e é, inclusive, dos países que mais se destacam nesta área.

Todavia, isto só tem sido possível na área das TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação (software). Nesta área, os custos associados para o desenvolvimento, validação do produto e teste de mercado são baixos. Com pessoas competentes, visionárias, entusiastas e com alguns computadores, é possível avançar para uma fase de angariação de fundos para o alavancamento do negócio para uma escala global. O mesmo não acontece nas áreas tecnológicas de bens físicos como novas tecnologias de manufatura ou novos conceitos de materiais e componentes. Nestas áreas existe o que é conhecido como ‘ o vale da morte’. Este vale corresponde à fase em que, depois de alguns anos de investigação, e chegados a tecnologias ou produtos com inovação disruptiva (realizados em laboratórios universitários durante teses de doutoramento), são necessárias três etapas:

  1. Validar o produto/tecnologia e a sua manufatura. Por serem produtos ou tecnologias novas requerem pequenas unidades piloto capazes de produzir pequenas escalas das máquinas/tecnologias ou dos produtos, para poderem seguir para teste de mercado. 
  2. Certificar os produtos. São precisas certificações, maiores ou menores, consoante o tipo de produto ou tecnologia. Por exemplo, se for um novo implante médico, é necessário que sejam feitos, depois dos testes laboratoriais, alguns testes em animais e depois em humanos, o que pode demorar alguns meses ou anos. Em muitos casos importa também proteger a propriedade intelectual.
  3. Fazer um pequeno teste de aceitação pelo mercado. Dada a sua natureza muito inovadora, o risco relativo à aceitação destes produtos ou tecnologias disruptivas é elevado. Pode parecer um produto/tecnologia fantástico, mas o público simplesmente não estar ainda preparado para o aceitar, por ser muito diferente do comum. Ou, o mais provável, é que este processo de implantação no mercado possa demorar alguns anos.

É neste vale da morte que caem as melhores ideias, aquelas que seriam capazes de gerar empresas de alto valor acrescentado e de se tornarem campeãs no seu setor.

Os apoios a esta fase são designados por capital pré-semente ou capital semente. Embora figurem nas páginas de entidades como a Portugal Ventures, não estão, nem nunca estiveram, tipificadas ou regulamentadas. Nunca foram colocadas em prática.

A comunidade europeia, através do Conselho Europeu de Inovação (EIC), ciente da necessidade de apoiar esta fase para este tipo de produtos/tecnologias, criou o programa Transition. Este sucede ao programa Pathfinder e antecede o programa Accelerator. O Pathfinder apoia investigação de produtos/tecnologias disruptivas. Portugal tem apoios diversos a este nível, como no caso dos projetos FCT. O Accelerator apoia, através de capital de risco, o escalamento comercial para um nível global dos produtos/tecnologias. Portugal também já tem apoios a este nível., incluindo eventos como o Web Summit. O Transition preenche a fase do vale da morte e as entidades europeias apoiam a 100%, sem necessidade de entrada de capital por parte dos promotores e com valores que podem ir até 2,5 milhões de euros por projeto. Mas Portugal não acompanhou a política europeia nesta área.

Esta é uma lacuna que importa preencher, pois a natureza empreendedora e criativa da população portuguesa, aliada ao conhecimento gerado, levará seguramente ao aparecimento de unicórnios ou outras empresas de base tecnológica, capazes de serem campeãs mundiais do seu setor.

É urgente preencher esta lacuna, pois ela também representa uma aposta na geração mais qualificada de sempre. Não basta formar, é preciso acreditar que esta geração é capaz de criar riqueza através das suas ideias e investigação desenvolvida.

Esta fase deve ser isenta de investimento por parte dos empreendedores, contrariamente ao que acontece com o capital de risco, pois estes produtos/tecnologias têm um risco associado bastante elevado, dada a sua natureza muito inovadora. Todavia, no caso dos negócios bem sucedidos estes devem devolver os apoios, em modelos baseados nas vendas ou nos lucros. São, por isso, apoios mais virtuosos que a generalidade dos apoios a empresas.

Estas serão empresas campeãs da europa e do mundo, estruturantes do país que queremos. De Portugueses, de produtos de alto valor acrescentado, que retêm a mão-de-obra qualificada, que remuneram bem, e que colocarão o país no pelotão da frente. Somos capazes. Importa termos a coragem de o fazer.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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