Os portugueses são aquilo que sempre foram

Os portugueses têm, como sempre tiveram, muitas origens e matizes. Esta pluralidade não para de crescer e não pode ser “apagada”.

A ideia de “portugueses” celebrada pelos extremistas do Chega deixa de fora a nossa melhor possibilidade de futuro: a diversidade. Os portugueses são aquilo que sempre foram: diversos e misturados. Esta pluralidade não para de crescer. E isto não é o problema, é a solução.

Num projeto de resolução proposto à Assembleia, o partido sugere um programa nacional de “cultura e memória”, de resposta à “destruição das raízes que diferenciam povos e nações, [a]o apagamento da memória coletiva”. Concordo que as raízes nos diferenciam e devem ser preservadas. Mas a história portuguesa não pode ser editada a lápis azul. Já éramos diversos no pedaço de história que os extremistas escolhem como “as raízes”. Os anos violentos em que África e Ásia andámos “devastando”, como diz Camões na segunda estrofe dos Lusíadas. E se discutíssemos como reparar esta violência, em vez de a apagar da história?

As nossas raízes são anteriores e plurais: Fenícios, Cartagineses, Lusitanos, Romanos, Visigodos, Berberes, Árabes e outros. No século XIII chegam as mulheres e os homens africanos por nós escravizados. Dois séculos mais tarde, os ciganos. Quantos séculos de inferiorização passaram e quantos serão necessários para que deixem de ser considerados “o outro”? Pessoas destas e muitas outras origens, e seus descendentes, não são “o problema”: são a nossa matriz genética e cultural. São parte da nossa família, das nossas salas de aula, dos campos agrícolas e laboratórios de investigação.

Marcelo Rebelo de Sousa lembrava em março de 2021 que “Não há um português puro. (…). Foi assim a nossa história. Não temos uma origem, temos inúmeras origens". Quem somos não pode ser escolhido à la carte. Precisámos de migrantes para existir e precisamos de migrantes para continuar a existir. A diversidade é um recurso para a nossa continuidade. Não podemos projetar o futuro a olhar para trás, com uma pala nos olhos e uma tesoura afiada na mão. É mais útil e honesta uma visão que parta da realidade. Os portugueses têm, como sempre tiveram, muitas origens e matizes. É isto que não podemos apagar.

Para este povo que tem o privilégio do passaporte europeu, a fronteira administrativa nunca foi tão irrelevante. A mobilidade e a diversidade estão na nossa história, nos nossos genes e no nosso futuro. Há que acarinhá-las. Este “nós” será mais amplo, não menos. Até porque, como dizia o personagem João Vuvu no filme Vai e Vem, de João César Monteiro, “não se nasce português, fica-se português”.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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