O financiamento do Novo Aeroporto de Lisboa. Das falácias aos factos

A afirmação do presidente da ANA de que os custos do Novo Aeroporto de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete teriam implicações para o Orçamento do Estado não corresponde à verdade.

O presidente da ANA tem feito várias afirmações em órgãos de comunicação social e, em particular, em canais televisivos, sempre sem contraditório, sobre a construção do aeroporto no Montijo que não seria mais do que uma mera reciclagem da base aérea existente (BA6) e, portanto, mais rápida e mais barata. Afirmou igualmente, de forma veemente, como se tratasse de um dogma, que os custos do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) no Campo de Tiro de Alcochete (CTA) teriam implicações para o Orçamento do Estado e, em consequência, para os contribuintes que teriam de suportá-los. Chegou a apontar para o NAL um custo equivalente à construção de 15 hospitais e que os portugueses teriam de optar entre estes hospitais e o NAL!

Nenhuma destas afirmações corresponde à verdade. Em vários artigos publicados e outras intervenções públicas o demonstrei. Portanto, a repetição das mesmas só pode ser entendida como a defesa, a qualquer custo e sem contraditório, da opção da ANA/Vinci pela solução Montijo, tentando simultaneamente influenciar a opinião pública contra uma solução alternativa. É o recurso ao velho aforismo de que falácias várias vezes repetidas passam a ser “verdade”. Vamos a factos.

O Estudo de Viabilidade Financeira elaborado pelo Banco Português de Investimento (BPI) em 2009, estudo pago pela ANA, mas convenientemente esquecido, não incluía na construção do NAL qualquer comparticipação do Estado.

De acordo com o modelo de financiamento adotado, baseado nas taxas aeroportuárias aplicáveis à data do estudo (2009), o prazo para recuperação do investimento era da ordem dos 17 anos, tendo em conta a estimativa do custo de construção estabelecida pelos consultores internacionais da ANA/NAER (ARUP, Hock e Aviation Solutions) de 1,9 mil milhões de Euros. Considerando 26 anos de operação do NAL, a aplicação do modelo conduziria a uma recuperação de 6,1 mil milhões de Euros.

Chama-se a atenção para o facto de este estudo de viabilidade ter sido elaborado considerando a solução do NAL com duas pistas, com capacidade para cerca de 100 movimentos/hora, totalmente equipado para poder receber todo o tipo de aviões, permitindo ainda o desenvolvimento de uma “Cidade Aeroportuária” e a construção no futuro, se necessário, de mais duas pistas. O estudo assumiu o início da construção em 2010 e a inauguração do aeroporto, após um ano de testes, em 2017. Impôs a condição de desativação da Portela após o início de operação do NAL, solução adotada, por exemplo, no aeroporto de Munique.

Salienta-se que o modelo regulatório à data do estudo do BPI (modelo que fixa as taxas aeroportuárias) era muito menos generoso que o que foi incluído no Contrato de Concessão à Vinci (Anexo 12). Baseou-se na previsão para 2022 de um tráfego de passageiros de 22 milhões, enquanto a realidade mostrou que em 2019 esse valor foi de cerca de 31 milhões. Se as receitas utilizadas no estudo do BPI fossem as que ocorreram nos últimos anos, então o ROI (Return on Investment) teria um prazo bastante inferior, ou seja, com maior capacidade de autofinanciamento do projeto do NAL. 

É fácil concluir que a construção do NAL não dependeria de qualquer verba a inscrever no Orçamento do Estado, ou seja, não haveria qualquer custo a ser suportado pelos contribuintes. Conclusão análoga resulta do estudo de análise financeira, desenvolvido pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), que consta do relatório do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) de 2008.

Foi com base no Plano de Financiamento elaborado pelo BPI que a ANA se propôs lançar o concurso de construção do NAL utilizando o anteprojeto de 2009.

A crise financeira de 2008 conduziu ao adiamento do processo, com as consequências que todos conhecemos. Incompreensivelmente, o princípio definido na Cláusula 42.1 do Contrato de Concessão, de dezembro de 2012, não foi respeitado. Não foi igualmente imposto ao concessionário (Vinci) o cumprimento da obrigação contratual de construção do novo aeroporto uma vez verificadas três das quatro condições limite fixadas em função do total anual de passageiros e de movimentos.

Todas as condições foram verificadas em 2016, ou seja, antes da data de assinatura do Memorando de Entendimento em 15 de fevereiro de 2017, documento que permitiu ao concessionário a adoção da solução dual (Portela+Montijo). 

Na Cláusula 42.1 é estabelecido que: “A concessionária deve envidar os melhores esforços para maximizar a capacidade operacional das infraestruturas aeroportuárias do aeroporto da Portela até à abertura do NAL.” Sublinho: até à abertura do NAL. A concessionária (Vinci) tudo fez para que não fosse obrigada ao cumprimento desta cláusula e da exigência de construção do novo aeroporto uma vez verificadas as referidas condições limite. E porquê? A resposta é evidente. Porque quer manter a Portela, se possível, até ao fim do Contrato de Concessão (2062).

Surge naturalmente a questão. Que cidades com a dimensão de Lisboa e a sua Área Metropolitana são servidas por soluções baseadas em dois aeroportos, mantendo a atividade de hub no aeroporto situado dentro da cidade?

Afirmou ainda o presidente que a ANA/Vinci teria 700 milhões de euros para gastar no Montijo, mas nem um euro para o NAL. Espantoso este raciocínio, considerando que o montante a despender será sempre recuperado, como demonstrou o Estudo de Viabilidade elaborado pelo BPI, através das receitas aeroportuárias, designadamente das taxas suportadas pelas companhias de transporte aéreo e pelos seus passageiros e não pelos contribuintes.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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