Herdade de Gâmbia: Provar, escutar, observar

A Herdade de Gâmbia fica no coração da Reserva Natural do Estuário do Sado. Uma visita obrigatória se o plano incluir a combinação de provas de vinhos com a observação de um valioso património de biodiversidade – águias, garças e flamingos incluídos.

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A aproximação tem de ser silenciosa. De pescoço erguido, imóveis, meia dúzia de indivíduos estacados no centro de uma antiga salina parecem avaliar os humanos que se avizinham. Basta um ruído e termina a sessão de observação. Curta, mas proveitosa: em poucos minutos, desfilaram garças-brancas, alfaiates, pernilongos, um solitário colhereiro e a mais impressionante de todas as aves para o mais básico birdwatcher: o flamingo, elegante, distante e tão desconfiado como todos os outros perante a aproximação de humanos. Ao primeiro ruído, a tal meia dúzia de indivíduos imóveis levanta voo, o bater das asas audível no impulso inicial, rente à água. Também ele um espectáculo.

Na Herdade de Gâmbia, este é um cenário habitual, enquanto dura a temporada de estada destas aves a meio caminho entre o Norte da Europa e África. A propriedade de 540 hectares fica dentro da Reserva Natural do Estuário do Sado, na margem direita da ribeira da Marateca – que aqui tem mais feição de pequeno mar, já na mistura de águas com o estuário. E as antigas salinas da herdade, há muito desactivadas – “aqui a safra do sal é um trabalho demasiado duro”, justifica o proprietário, Francisco Borba – são pouso ideal para estas e outras aves aquáticas, a lista de espécies é longa.

Para o efeito, a herdade instalou três postos de observação, um no meio das salinas, outros dois mais recuados, para apanhar também a zona de sapal e alguma da mancha florestal, de pinheiro e sobreiro, onde habitam pegas-azuis, chapins, peneireiros-cinzentos. Até águias-de-bonelli, rejubila Francisco, que conta ter ali observado três casais não há muito tempo. Sempre que pode, o proprietário, engenheiro zootécnico de formação, anda de câmara em punho e guarda uma boa colecção de espécies por si fotografadas.

Ocasionalmente, há visitas guiadas, combinadas com prova de vinhos Herdade de Gâmbia, mas o visitante também é encorajado a pegar num mapa e meter pés ao caminho para descobrir toda esta riqueza de biodiversidade. O acesso custa 2,50 euros por pessoa, e é gratuito para quem comprar vinho na loja da herdade.

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Os vinhos da herdade

A área de vinha ocupa 30 hectares, plantados no aproveitamento de clareiras onde não existia floresta. “Não abatemos árvores para plantar vinha”, assegura Francisco Borba, que dá hoje continuação ao sonho do seu avô, Francisco de Paula Borba, que comprou a quinta em 1917 pela feliz coincidência de ali existir uma capela consagrada a São Francisco de Paula – a ligação ao santo vinha de uma velha promessa de sua mãe, explícita, desde logo, no nome de baptismo.

Nos anos 1980, Francisco Borba começou por plantar moscatel, “a casta mais nobre da região”, numa parcela que regista amplitudes térmicas mais baixas, que lhe “permitem uma maturação mais suave, dá mais tempo à uva para ir construindo aromas, açúcar, componentes para fazer um bom vinho”, explica. Seguiram-se, noutro talhão, trincadeira preta, castelão, touriga nacional, aragonez, touriga francesa. O processo de vinificação decorre em parceria com a Sociedade Agrícola das Boas Quintas, pelo que não há uma adega para visitar dentro da herdade. Há, contudo, um espaço de prova na loja que fica à entrada, prova essa a que se pode juntar produtos regionais, ostras e as tais visitas guiadas para observação de avifauna. Francisco não esconde o prazer que é partilhar este património de valor inestimável. “Sustentabilidade” é palavra que lhe surge por várias vezes no discurso, fluido e esclarecido, seja a respeito da floresta, das vacas que ali cria, da vinha. Defende, aliás, que “quem detém estes recursos tem obrigação de usá-los de forma sustentável e não depredatória.” Tanto melhor quanto têm este gosto por abrir-lhes as portas.


Esta reportagem foi publicada no n. º1 da revista Solo.

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