Programa de espionagem israelita seguiu interesses geopolíticos de Netanyahu

Investigação do Haaretz liga diplomacia israelita e viagens de altos responsáveis a Israel, ou de Benjamin Netanyahu ao estrangeiro, a negócios com a empresa acusada de vender software de espionagem. “Onde Netanyahu foi, seguiu-se a NSO”, titula o jornal israelita.

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A actividade do software de espionagem da NSO coincidiu com viagens de Benjamin Netanyahu ao estrangeiro Yonatan Sindel/REUTERS

A lista de nações que terão contratado os serviços da empresa israelita NSO para vigiar jornalistas – e não só – através de um programa de espionagem nos seus telemóveis mostra um padrão: Hungria, Índia, Arábia Saudita, Azerbaijão, Emirados Árabes Unidos, Ruanda, Marrocos, ou México: países em que Israel tem interesses geopolíticos e com quem Israel melhorou as suas ligações sob o Governo do então primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, titula o diário israelita Haaretz.

A NSO vende software de espionagem militar e o projecto de investigação Pegasus, que envolve jornalistas em dez países e tem apoio técnico da Amnistia Internacional, está a investigar como foram seleccionados para ser vigiados mais de 180 jornalistas por todo o mundo, assim como 600 políticos, 85 activistas de direitos humanos, e 65 empresários. A empresa nega que a lista, a que o consórcio teve acesso, fosse uma lista de alvos a vigiar.

A proximidade de viagens de Netanyahu ou de responsáveis estrangeiros a Israel com a actividade da NSO parece ter uma coincidência temporal perfeita no caso da Índia: “Os primeiros números indianos aparecem na lista exactamente em Julho de 2017, quando Modi estava a molhar os pés no Mediterrâneo” ao lado de Benjamin Netanyahu, então primeiro-ministro, diz o Haaretz. Esta foi a primeira visita de um líder indiano ao Estado hebraico, que foi seguida de milhares de milhões de dólares em acordos das indústrias de segurança dos dois países. Em 2018, foi a vez de Netanyahu visitar a Índia.

Em Julho de 2017, Netanyahu visitara a Hungria, outra estreia para um primeiro-ministro israelita. A visita e a melhoria das relações entre os dois Estados foi controversa em Israel e entre a comunidade judaica húngara, que se queixava de anti-semitismo do Governo de Viktor Orbán. Os defensores da aliança argumentavam com a necessidade de Israel ter maior apoio numa União Europeia por vezes crítica. E em Maio, durante a ofensiva israelita contra a Faixa de Gaza (e os rockets disparados do território contra Israel), a Hungria foi o único país a opor-se a uma resolução da UE criticando a acção de Israel.

“Na Hungria, o primeiro número aparece exactamente no mesmo dia que Netanyahu fez a sua primeira visita ao país. Esse número era aparentemente uma demonstração, mas o primeiro alvo operacional na Hungria apareceu em Fevereiro de 2018 – precisamente quando Netanyahu se encontrou com Jozsef Czukor, o conselheiro de política externa e de segurança da Hungria, e alguns meses depois de o antigo líder israelita ter visitado o país”, sublinha o Haaretz, que faz parte do consórcio de investigação.

Com base em conversas com responsáveis da indústria de ciberespionagem de Israel, o Haaretz diz ainda que “parece que o Estado de Israel trabalhou de modo pró-activo para conseguir que as empresas israelitas de ciberespionagem, em especial a NSO, operassem nestes países, apesar de terem um historial problemático em questões de democracia e direitos humanos”.

O interesse de Israel em alguns países da lista é evidentes – a Arábia Saudita pelo inimigo comum iraniano, que chegou a ser visto como podendo normalizar relações com Israel a seguir aos Emirados Árabes Unidos e ao Bahrein (também na lista), o que seria uma enorme vitória diplomática. Um responsável de uma outra empresa de ciberespionagem declarou mesmo ao Haaretz que a venda da tecnologia foi um precursor de acordos. “Na relação com os sauditas no período pré-acordos [com o Bahrein e os Emirados e depois Marrocos e Sudão], o interesse era dar tecnologia aos sauditas. Uma das ferramentas com que Israel jogou foi o Pegasus, e assim ajudou a NSO”, disse.

Se no caso da Arábia Saudita, Bahrein, Emirados e Marrocos o interesse de Israel é evidente, noutros casos pode não ser tanto. Lara Friedman, presidente da Foundation for Middle East Peace (EUA), destacou, no Twitter, algumas destas ligações menos óbvias “para quem não siga a política externa israelita com tanta atenção”. Mencionou, entre outros, o Azerbaijão, que tem fronteira com o Irão; o México, que depois de uma visita de Netanyahu – o primeiro chefe de Governo de Israel a visitar a América Latina – prometeu votar a favor do Estado hebraico nas organizações internacionais; o Ruanda, que considerou deslocar a sua embaixada de Telavive para Jerusalém e que era tido como um possível “país terceiro” para Israel enviar refugiados africanos a procurar asilo no país; ou o Togo, que em 2017 foi o único país africano a votar contra a resolução da Assembleia Geral da ONU condenando o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel.

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