Cavendish falhou um “último tango em Paris”

Neste domingo, ninguém esperava que Cavendish falhasse a conquista de Paris e bater o recorde de vitórias de Eddy Merckx. Mas falhou e à ressurreição do ciclista inglês, por bela que tenha sido, ficará a faltar qualquer coisa.

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Reuters/STEPHANE MAHE

Neste domingo talvez tenha sido escrita uma das mais infelizes páginas da história do ciclismo. Não houve tragédias graves, mas houve drama. O drama emocional de ver Mark Cavendish sair dos Campos Elísios, em Paris, sem o recorde de ciclista com mais triunfos na Volta a França.

Há alguns meses, quando Cavendish parecia “morto” para o ciclismo, ninguém estava preparado para o ver novamente na ribalta – esse cenário, por belo que fosse, roçava a utopia. Neste domingo, porém, já ninguém esperava que Cavendish falhasse a conquista de Paris.

Para um “último tango” de “Cav” em Paris estava montado um belo palco numa das avenidas mais icónicas do mundo, os “dançarinos” da Deceuninck eram bons acompanhantes para Cavendish e nem um “coreógrafo” de excelência falta ao inglês (embora hoje tenha vacilado). Mas Cavendish falhou e à ressurreição do ciclista inglês, por marcante que tenha sido, ficará a faltar qualquer coisa.

Aos 36 anos, talvez o sprinter não volte a correr o Tour. Mesmo que o faça, e esse cenário não é impossível, ninguém acredita que volte a ter uma concorrência tão frágil. A conclusão é clara: é possível que Mark Cavendish nunca venha a ser o recordista isolado de triunfos em França, ficando para sempre igualado com Eddy Merckx, ambos com 34 vitórias.

Como alertado após a etapa 19, a penúltima para final ao sprint, este desfecho castiga a sobranceria de Cavendish e da equipa Deceuninck. A equipa abdicou de providenciar um sprint na etapa 19, apostando tudo na 21.ª, possivelmente “de olho” no inegável simbolismo de selar o recorde em Paris.

A soberba de ingleses e belgas criou a história do dia em que tudo ruiu por culpa de uma opção discutível de “Cav” e da Deceuninck, que abriram mão de selar o recorde assim que fosse possível – e, há dois dias, apesar do desgaste pós-montanha, era bem possível. Mas o risco de apostar tudo em Paris tornou o cenário idílico e bonito, como definiu Cavendish, numa das surpresas mais feias dos últimos anos.

A nota final vai, claro, para o autor da desfeita. Wout van Aert (Jumbo) foi o ciclista que destruiu o sonho de Mark Cavendish e do povo inglês, que ainda lambe as feridas do Euro 2020 perdido em casa. Mais uma demonstração de versatilidade do belga, que pode fazer o que quiser no ciclismo, e venceu a terceira etapa nesta prova.

O sprint final em Paris acabou por mostrar uma Deceuninck descoordenada pela primeira vez – e no pior dia possível. A equipa deixou-se “engolir” no pelotão a cerca de dois quilómetros da meta, mas, apesar de ter recuperado posições na recta final, pareceu já não ter fulgor para organizar o “comboio” a preceito. Michael Morkov não conseguiu dar a sua roda a Cavendish e o inglês, posteriormente tapado entre Wout van Aert e as barreiras laterais, pouco pôde fazer além de descarregar a raiva no guiador.

Ficou em terceiro lugar e leva para casa a camisola verde, a dos pontos, mas o objectivo mais desejado terá de ficar para 2022. Ou para nunca mais.

Pogacar "brindou” com Rui Costa

Mas este domingo teve duas histórias: a de Cavendish e a de Tadej Pogacar. O jovem ciclista, de 22 anos, não passou qualquer percalço na última etapa e confirmou a conquista da Volta a França pela segunda vez.

O jovem esloveno não bebeu de forma literal o habitual champanhe na rota até Paris (a equipa Emirates, dos Emirados, não apoia essa tradição), mas, de forma metafórica, brindou com um português: Rui Costa foi um dos fiéis escudeiros de Pogacar na equipa Emirates e também ele teve direito a um “flute” imaginário. Rui Costa vai para casa a sentir-se campeão do Tour.

Voltando a Pogacar, esta conquista tem pouco que ver com a primeira. Em 2020, venceu por uma das margens mais curtas de sempre. Em 2021, fez o que quis, quando quis e como quis. Esmagou a concorrência e, por mérito próprio, fez questão de tornar esta corrida desinteressante no que à luta pela vitória diz respeito e o pódio final da corrida ficou composto por Pogacar, Jonas Vingegaard (Jumbo) e Richard Carapaz (INEOS).

“É difícil explicar como me sinto. É mais do que um sonho. No ano passado foi o primeiro e foi diferente, porque não havia pressão e eu não estava preparado para vencer. Ficaria feliz com o segundo lugar. Neste ano conquistei a camisola amarela logo na primeira semana, portanto foi diferente. Mas estou igualmente orgulhoso de ambas as vitórias”, apontou Pogacar, numa “entrevista de campeões” dada a Alberto Contador, um ex-vencedor do Tour.

Nota ainda para a participação de Rúben Guerreiro, que selou o 18.º lugar na classificação – é o segundo top 20 do ciclista de Pegões em “Grandes Voltas”, depois do 17.º lugar na Vuelta 2019.

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