Armando Vara condenado a mais dois anos de prisão efectiva por lavagem de dinheiro

Antigo ministro socialista escondeu rendimentos de trabalho em offshores para fugir ao pagamento de impostos. Juízes consideraram a sua culpabilidade muito elevada, apesar de acreditarem na origem lícita do dinheiro. Advogado pondera recorrer.

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Rui Gaudencio

O antigo ministro socialista Armando Vara foi sentenciado esta terça-feira por lavagem de dinheiro na Operação Marquês a uma pena efectiva de dois anos de prisão, condenação de que o seu advogado pondera recorrer. 

Ainda antes de o julgamento começar, o ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos havia confessado ao juiz Ivo Rosa, na fase instrutória do processo, que a teia de empresas que mandou montar, com recurso a offshores, tinha, de facto, como objectivo fugir ao fisco. Mas garantiu que os 535 mil euros que fez circular entre a Suíça, as Seychelles, Chipre e a Irlanda, com a ajuda do gestor de fortunas Michel Canals – uma das principais figuras do processo Monte Branco – tinham origem lícita, garantia que os juízes que hoje o condenaram aceitaram como verdadeira. As notas eram entregues em mão a Canals, que depois dava início ao branqueamento. 

Explicou nessa altura Armando  Vara – que não esteve presente na leitura deste acórdão – que antes de ascender à administração da CGD, o que sucedeu em 2005, acumulava um cargo de director neste banco com a prestação de serviços de consultoria de negócios a empresas do Leste europeu, África e Médio Oriente. Nas suas palavras, identificava oportunidades de investimento. E quando foi nomeado para administrador do banco, em 2006, esteve “quase para desistir” de aceitar, uma vez que o regime de exclusividade a que ficava sujeito o impedia de continuar a exercer esta actividade. Logo numa altura em que começava a receber os proventos destas consultorias, parte dos quais só lhe eram pagos quando os negócios em perspectiva se concretizavam efectivamente. 

 “Ao longo de 2008 e 2009, Armando Vara procurou fazer movimentar para contas em diferentes países parte dos fundos detidos nas contas da Suíça, visando gerar uma dispersão de fundos e utilizando diversos esquemas de circulação dos mesmos, de forma a que fosse muito difícil às autoridades judiciárias identificar as contas usadas para o depósito do dinheiro e conexionar [sic] tais contas à sua pessoa”, pode ler-se no despacho de pronúncia da Operação Marquês

“Eu tinha consciência de que havia um problema fiscal que tinha de resolver. A minha ideia era fazê-lo no final do mandato de administrador da CGD”, admitiu o arguido ao juiz Ivo Rosa. Neste cargo, Armando Vara ganhava cerca de 17 mil euros mensais.

Apesar de acreditarem na origem lícita deste dinheiro – que não será, afinal, proveniente nem de corrupção nem de tráfico de droga, por exemplo – os juízes do Campus da Justiça, em Lisboa, consideraram muito elevado o grau de culpa do arguido, até pelas funções que desempenhou ao longo da vida, quer como governante, primeiro, quer depois como administrador da CGD e, mais tarde, do BCP. “Exerceu as mais altas funções e ganhava num ano aquilo que a maioria dos cidadãos não ganha em mais de uma década de trabalho”, observou o magistrado que presidiu ao colectivo, Rui Coelho, que explicou que o tribunal visou, com esta decisão, dar um “claro sinal de força” para fazer Armando Vara em particular e a sociedade em geral “interiorizarem o respeito pela lei”. 

“Violou deliberadamente normas que punem actos de conhecida gravidade, socialmente perniciosos pelo prejuízo que acarretam para o bem comum da sociedade, animado por um sentimento de egoísmo merecedor de particular censura”, pode ler-se na sentença hoje proferida. “Quer o arguido quer a comunidade precisam de um claro sinal de força para interiorizarem a necessidade de respeito pela lei, nomeadamente em crimes de natureza financeira”. 

O socialista chegou a ser investigado não só por corrupção por causa dos financiamentos da Caixa Geral da Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo – além dos créditos concedidos, o banco tornou-se também investidor do projecto – mas também por gestão danosa. No despacho de pronúncia da Operação Marquês, Ivo Rosa deixa subentendido que o Ministério Público falhou o alvo, ao deixar cair estas últimas suspeitas. “Os factos descritos na acusação poderiam ainda constituir suspeitas do crime de administração danosa, na medida em que poderia estar em causa a violação de normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional. Porém, não foi essa a vertente seguida pela acusação.” 

O antigo governante encontra-se na cadeia a cumprir uma pena de cinco anos que lhe foi aplicada por tráfico de influência no âmbito do processo Face Oculta. Não fosse esta nova condenação, poderia sair da cadeia no ano que vem.

Seja como for, o seu advogado, Tiago Rodrigues Bastos, pondera recorrer desta sentença, por considerar que ela “está cheia de moralismo, mas não respeita o direito”. “Se Armando Vara tivesse sido condenado por fraude fiscal, eu compreenderia”, observou à saída do julgamento, frisando que a justiça não poderia ter sentenciado o seu cliente por branqueamento, uma vez que concluiu ser lícita a origem do dinheiro que Armando Vara escondeu do fisco. 

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